MAICRO + ZÉ BAIANO- Por José Antônio de Azevedo

    Desincorporando Maicro e Zé Baiano, cada um deles revive para contar a história metaforizada de Ícaro, engendrada à maneira de um filme passando na tela da mente.
De entrada na sua história, Maicro, agora desvinculado, é um idoso de semblante mirrado, porte alquebrado, mas persistente e determinado, que diz ter lá suas vantagens ser um idoso bisa. Uma delas é a transparência.
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    Quanto mais velho, mais transparente fico, pois chego a parecer invisível. Ninguém percebe a minha presença. Lutando para ter uma vida com qualidade, o meu terapeuta ontem me disse:
    - Senhor Maicro, só há dois caminhos para o senhor trilhar: um é continuar cada vez mais velho e o outro é pior...
    Ao que lhe respondi:
    - Prefiro continuar envelhecendo e aceitar cada dia da minha vida doravante como uma grande vitória e uma alegre eternidade.
    O meu coração está fibrilando, as minhas articulações degenerando e os meus movimentos diminuindo, porém, mentalmente concebo o coração como sede de sentimentos, emoções e amor, as articulações como a mola propulsora das minhas caminhadas, e os movimentos, vou administrando como posso.
    Neste mundo moderno, tecnologicamente desenvolvido, e dentro da economia de mercado globalizado, vivia eu no passado com uma prole de mulher e filho numa cidadezinha mineira com uma população quase só de caboclos matutos. Naquele município caipira brotava meu filho, Joaquim. Éramos uma família bem constituída de pai, mãe e filho. Meu filho era um garotão forte e sadio nascido sob o signo de Hipnos. Eu era um matuto vistoso, resistente, com aparência simpática, conforme diziam, trabalhador e portador de bom caráter. A mãe era mulher prestimosa e boa dona de casa, fazendo jus ao seu nome de linda flor. O triunvirato familiar era modelo de trabalhadores rurais para aquela gente sofrida da roça.
    Exponho, assim, o meu princípio de vida com o objetivo de defender os idosos, cujo sofrimento após perderem a força do trabalho observava. Sem uma aposentadoria digna, foram abandonados, não só pela indiferença da sociedade como pelo descaso do governo e ingratidão dos familiares. Vi infelizes velhos debilitados se depauperarem pela solidão e falta de reconhecimento dos amigos e parentes, o que os leva à ansiedade, passa pela solidão, fazendo-os desembarcar na miséria, sem forças para trabalhar e sem recursos para viver.

Seu sorriso, muitas vezes, está ocultando
a lágrima sentida que traz retida,
a chaga que o coração está dilacerando.
de uma ingratidão que nunca foi esquecida.

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Texto do livro “Comendo Fogo e Cuspindo Cinzas” de José Antônio de Azevedo – em destaque na página 12 da 58a. Revista Ponto & Vírgula (janeiro/fevereiro/março/2022)


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