Elegante, sábia, feliz e audaz- Fernanda R-Mesquita

         Janeiro de 2021. Nove anos! Muita maturidade para um ser tão novo! — pensou Irene, descansando o corpo, servo da sua teimosia em não delegar esforços. Cruzou o olhar com ela e aconchegou-a junto ao peito, como se de um filho recém-nascido se tratasse. Fechou os olhos e sentiu-a:
            “Audaz! Encantava-a o seu destemor em aventurar-se para tão longe de quem lhe dedicava tamanho amor. Recusava a estagnação e atrevia-se viajante sem fronteiras.
Sentiu o seu sábio espírito inspirado a mergulhar fundo em mãos solitárias, que abriam as entranhas a cirurgias alheias. Completava-se pela fartura sem desperdícios. Tão linda! A edição esmerada de toque macio, em papel couché, toda colorida e capa personalizada, pulsava de orgulho. Tão grandes os seus tesouros literários quer em prosa ou verso! Quão doce, a sua ambição! Pedia-lhe, desde o seu primeiro minuto de vida, delicadamente, mas firme, para lhe abrir outras portas. A sua consecutiva convicção permitiu-lhe entradas gloriosas em universidades, faculdades, escolas estaduais, municipais e particulares, consultórios médicos, escritórios, feiras do livro, televisão e a realizar magníficos saraus onde, como estrela, empenhava-se em realçar o brilho dos autores, convicta que sem eles, não existiria.
            Quase noite. Irene perpetuou o último abraço ao seu rebento. Ribeirão Preto, cidade ímpar, aconchegando mais de setecentos mil habitantes, deixava-se descansar sob a luz da silenciosa lua, que lhe iluminava o rosto através da janela. Sorriu, enquanto afagava a sua menina. Relembrou que quando ofereceu ao mundo a sua primeira cria, muitos duvidaram da vitória do projeto. Indiferente aos descrentes, dedicou-se à procriação de mais e mais.
            Inspirou, sorriu. Contagiava-a a felicidade da aniversariante. Ambas pressentiam que para além da atual apatia por palavras que coagissem a pensar, existia um mundo farto de pousos disponíveis, abertos aos sentimentos borbulhantes dos que viviam com ânsia de escrever.
            Finalmente ganhou coragem. Empacotou-a e escreveu o endereço do destinatário. Dentro do pacote, a sua criação pulsava; sabia-se tentação acolhedora ao individuo que necessita abrir janelas no seu lar espiritual. Elegantemente viajaria, provocando uma ressurreição literária, quando o leitor se espelhasse com o escritor. Experimentaria o êxtase quando este se concedesse par do autor, numa dança inspirada por acertos e desacertos do coração, refúgios e abismos do espírito.   
             Levantou-se. Achegou-se à janela. Com o olhar delineou a paisagem noturna da cidade, fechou a mão direita como quem segura um copo, elevou-a e brindou:
            — À resistência!
            Debateu-se um pouco com o cansaço. Ajudou-a a réstia de frescura que saiu do pacote, pousado sobre a mesa. Derrotada a fadiga agarrou-se à audácia com que criara a última que partia. A vontade de continuar, ganhou primazia. A imagem do próximo número ampliou-se e vislumbrou-o luzeiro aceso, por inúmeros e lindos lugares, despertando seres à leitura. Ela, continuaria ali, de mangas arregaçadas, vencendo ventos imprevisíveis.

Fernanda R-Mesquita


 

Irene Coimbra de Oliveira Cláudio, foi professora, é   escritora, poeta, produtora e apresentadora do Programa “Ponto & Vírgula” na TVRP/Canal9/Net. Fundadora da Revista Ponto & Vírgula em Ribeirão Preto.  Editora e Promotora de Eventos Literários. Coordenadora das Antologias Ponto & Vírgula.

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