CONTO DO VÔ BETIM- Eda Cirillo Cristino

 Aos finais de semana, vovô Betim e vovó Thereza, recebiam seus netinhos. Em um final de semana atípico, por “n” motivos, (avô com o ciático inflamado, um netinho dodói e o outro viajando...), eles receberam um só neto, o primogênito.
    Então vamos ao sábado mais que diferente.
    Após o café da manhã, Thereza foi à feira e à farmácia, comprar remédios (velhinhos, por um motivo ou outro, acabam necessitando dos malfadados remédios).
Betim ficou em casa fazendo uso do “terceiro pé”, devido às dores. Logo que a avó saiu, a filha chegou, trazendo, a tiracolo, Bruno, o primogênito, um menino de quatro anos, branquinho, de olhos verdes, cabelos louros e levemente cacheados, o qual lhe dava a alcunha anjinho de cachinhos. Ledo engano! Bruno não o era! Uma criança saudável, nessa faixa etária, geralmente, não se parece com os anjinhos apregoados pela igreja. Graças a Deus! 
    Misericórdia se assim o fossem! Meninos/anjinhos dessa idade são peraltas estão descobrindo o mundo, é a hora certa para ralarem braços, cotovelos, joelhos, até mesmo o rosto e, principalmente, para aprenderem valores e virtudes, que são essenciais para o pleno desenvolvimento do ser humano. Vou tentar não divagar e ater-me aos fatos. A filha ao chegar cumprimentou o pai, beijou-lhe a face, conversou por alguns minutos, no portão mesmo, deixou algumas instruções ao pai e ao filho e saiu apressada.
    O avô, com o olhar terno e apaixonado, abraçou o neto, beijou-lhe a cabeça e precisou acalmá-lo, pois o mesmo queria subir-lhe ao pescoço. Explicou-lhe a situação, provisoriamente debilitante, e deixou-o brincando à sombra das muitas jabuticabeiras. Sentou-se na cadeira de vime e, de vez em quando, precisava conter o netinho, que queria ir além do alcance de suas mãozinhas, para comer as frutinhas negras adocicadas, as quais logo se tornariam, pelas mãos da avó, um saboroso licor.
    O avô foi para a cadeira do papai e se pôs a ler o jornal diário, enquanto o neto se distraia com um quebra-cabeça, que montava, desmontava e montava rapidinho, acabou por ficar entediado, o menino/anjinho então aprontou: – Vovô! Vovô! O picolezeiro!
    O avô pegou a bengala, levantou-se e foi até ao portão:
    – Cadê o vendedor de picolés? Não havia vendedor de picolé. 
    Aproveitou-se da grade baixa do portão (nessa época, muros e portões tinham funções diferentes), para alongar os nervos que lhe tiravam a paz, enquanto o neto o seguia o com o olhar sapeca e meigo, o qual o salvou da repreensão.
    – Vovô, quero suco, estou com sede...
Após o suco, desceu até o portão da casa, brincou, correu, pulou, cantou e observou os carros a passar... uma caixinha de fósforos (Fiat), um besouro (Fusca), um caixote (Kombi), apelidos ensinados pelos tios, olhou para Brasília amarela de seu avô, lançamento do ano,
    – Vovô, vovôôôôô, o picolé! O avô quase deu um pulo da poltrona. Ajeitou o ciático, atravessou novamente a sala, o piso frio do alpendre e parou diante dos dois degraus, que davam acesso ao piso de cimento, que permeavam as jabuticabeiras e a pequena distância dos lances da escadinha ao portão. Não avistando o picolezeiro, olhou em direção ao neto que transparecia peraltice no olhar...
    – Você está faltando com a verdade novamente a seu avô, não 
se deve fazer isso.
    Bruno abaixou a cabeça e não percebeu o olhar triste, contudo 
amoroso, do avô.
    – Venha vamos tomar um chá. Você está muito peralta.
    Afagou novamente a cabeça loura do neto, adoçou o chá com mel, retirou alguns biscoitos da lata onde vovó os guardava e saboreou-os junto ao neto. Acreditava que o chá iria acalmar as traquinagens do neto. Foi até a sala, pegou alguns livros infantis, deixados, pela avó, entregou-os ao neto, que se sentou sobre o tapete felpudo, encostado ao sofá. O avô, então, colocou um disco na vitrola, sentou-se na poltrona e no embalo das músicas clássicas cochilou.
De repente o neto ouviu:
    – Olha o picolé! Tem de coco queimado e branco, tamarindo, minissaia... Olha o picolé... Bruno correu até o portão e viu o picolezeiro.
    – Vovô, vovô, vovôôôô, o picolé! Vovô, vovôôôô, o picolé... 
    Entrou em casa e viu o vovô roncando... Vovô, vô, o picolé, deu umas cutucadas no avô, esse
sonolento, ouviu uma voz ao longe, abriu os olhos e viu os olhinhos verdes de Bruno... – Vovôôôô, o picolezeiro... vovô esfregou os olhos, espreguiçou-se diante do olhar inquieto do neto e disse:
    – Não brinca comigo Bruninho, estou adoentado, não se deve fazer esse tipo de brincadeira com ninguém, principalmente com o vovô doente e com dificuldades de se locomover. Bruno fez beicinho e carinha de choro, insistiu e então o avô decidiu olhar, pela terceira vez, se o picolezeiro, que o neto tanto dizia, estava mesmo na frente da casa. Levantou-se, começou a caminhar em rumo ao portão, o neto feliz correu à frente, avistou o picolezeiro dobrando a esquina.
    – Picoléééé, picoléééé, volta aqui. – Rápido vovô!
    Quando o avô conseguiu descer a escada e chegar ao portão, não avistou nada, a não ser um vizinho passaando apressado do outro lado da rua. Dessa vez olhou irado para o neto, e disse:
    – Como pôde fazer isso novamente com seu avô? Estou 
decepcionado... Bruno chorava... – Por que mente para seu vovô? Isso não é certo.
    – Não estou mentindo vovô, é verdade, vamos atrás dele, e puxou-o pelo braço.
    – Não posso andar rápido, você sabe.
    – Então deixa que vou correndo atrás dele.
    – Claro que não! Um menininho não pode sair sozinho na rua e fim de papo. Da próxima vez, pense antes de falar mentiras para seu avô, ou para outras pessoas.– Eu estava brincado vovô, choramingou o neto
    – Se fizer assim sempre, as pessoas deixarão de acreditar em você. Isso é muito triste e feio. Se não tivesse mentido antes, agora estaria saboreando seu picolé.
    Bruno chorou copiosamente, abraçou o avô, pediu perdão e prometeu nunca mais mentir. O avô acarinhou-lhe a cabeça, 
levou-o até a cadeira de vime, sentou-se e deu-lhe sinal para que subisse em seu colo. Mais sereno, olhos mais azuis, devido ao choro, quase adormeceu no colo do avô. De repente a vovó abriu o portão...
    – Bui, Bui vem ajudar vovó...
    Entrou puxando o carrinho de feira, trazendo a sacolinha da farmácia e também meia dúzia de picolés na térmica. Bruno despertou da sua sonolência, pulou do colo do vovô, caminhou em direção a vovó e..


Conto de Eda Cirillo Cristino L. Henrique nas págs 64/66 
da 20a. Antologia Ponto & Vírgula - Poemas, Contos e Crônicas.
Editora FUNPEC - Coordenação de Irene Coimbra.


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