Eu entrei na morada do passado -
respirei fundo, vesti o casaco da ousadia,
calcei as botas da coragem, e entrei.
Demorei enxergar porque não era claro,
algumas frestas do futuro, entretanto, permitiam
a passagem de fachos de luz e claridade
e fui adiante. Com medo. Trêmula. Hesitante.
Mas fui. Tentando adivinhar no que pisava e o
que me esperava naqueles cômodos empoeirados,
há tanto tempo abandonados, frios e tristonhos.
Quando meus olhos se acostumaram à luminosidade
consegui começar a enxergar o que deixara para trás:
vi que pisava em sonhos desfeitos e esperanças vãs.
Tudo transformado em pó e cinzas, mistura de
lágrimas, decepções e dores suportadas,
consegui avistar em um canto bastante alegria
e toda a felicidade que não sabia onde havia perdido.
Podia até mesmo ouvir as risadas que nunca mais dei;
encontrei, encostado a uma parede, um cajado de arrojo
e então reencontrei minha antiga intrepidez, minha bravura
com ele fui abrindo caminho entre os escombros
E assim revi os amores rompidos, as paixões esmorecidas,
tão acabrunhados de tantas humilhações
e ainda a sede do conhecimento, que se perdera
nas obrigações sem fim e correria de cada dia.
Vi minhas antigas moradias, os sofás onde a família
se reunia para trocar as impressões do dia,
a velha e imponente mesa de jantar, com suas cadeiras,
toalhas rendadas, e louçaria inesquecíveis.
E podia quase sentir o cheiro acolhedor da comida
o perfume da cozinha da minha casa de infância...
de tanto remexer naquelas cinzas, achei até mesmo
uns poucos traços, agora arruinado, da menina leve
E também feliz - fragmentos do que um dia eu fui;
assim, entre tantos destroços, achei, sob as mesmas cinzas,
uma brasa ainda ardente, sobrevivendo às ruínas,
que não deixara morrer, alimentando com seu calor:
Uma saudade sem fim, da lembrança que guardei de
você, mantendo viva em mim a recordação que ficou
de tudo aquilo que não pôde ficar.
*
Poema de Maria Alice Ferreira da Rosa - Págs. 62/63 da Antologia "As Palavras Voam!" -
Editora FUNPEC-RP - Coordenadora: Irene Coimbra
*
MARIA ALICE FERREIRA DA ROSA, é natural de São Paulo/SP. Formada em Direito, é Procuradora de Justiça, atualmente aposentada. Blogueira (Blog de Alice – Alinhavando Letras), poeta e escritora, publicou seis livros de crônicas, contos, poesias e infantil. Participou de mais de 30 antologias no Brasil e no exterior.
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