Há anos atrás, uma infestação de cupins tirou o sossego de todos
nós. O piso de toda nossa casa era de tacos de madeira e os armários eram
antigos, embutidos, também de madeira. A casa era um verdadeiro paraíso para
cupins. Para resolver o problema, todo o piso e os armários foram retirados e
substituídos. Os armários foram trocados por esses atuais de MDF. A casa até
que é grande e, portanto, como podem imaginar, essa foi uma longa reforma. O
grande problema foi que não saímos de casa durante a arrumação...
Com todo o piso quebrado, armários sendo retirados, estava tudo
uma verdadeira confusão! Não havia onde ficarmos: o único espaço “livre” era
uma areazinha de luz, na qual podíamos colocar uma rede. E assim foram dias a
fio.
Mas não havia só a confusão da destruição e sujeira da reforma em
si. Tinha o pessoal trabalhando lá em casa na reforma. Gente pra lá, gente pra
cá. Eram figuras peculiares. Três Manoéis: o pintor, o marceneiro e o servente.
O pedreiro, “Seu” Joel, já era velho conhecido de nossa família e bastante querido
por nós. Já havíamos contado com o auxílio de seu servente, Manoel, algumas
vezes antes também. O filho de Seu Joel, um rapazote, também trabalhou como
servente na reforma alguns dias.
O pintor Manoel era uma comédia, cheio das piadinhas. Ele era fã
do que chamava de “disco voador” (ovo frito com a gema mole). Para ele, tudo
era muito simples e rápido: “dois palitos”, ele dizia. Mas no fundo era meio
enrolão e atrapalhado.
Já o servente Manoel, certo dia, admitiu que ficava com água na
boca olhando a ração e os biscoitinhos de nosso cachorrinho no chão. Juro que
não deixávamos o pessoal passando fome, recebiam almoço caprichado e lanche da
tarde! Ainda assim, a comidinha do Schindler (nosso pequeno pinsher bravinho) era uma tentação para
Manoel. Passados alguns dias, ele contou que experimentou as comidinhas e até
que gostou! Daí em diante posso apostar que o Schindler ganhou um sócio na
ração.
Outra pérola era o Seu Manoel, marceneiro. Mais um enrolão. Um
senhor meio porco, que vivia coçando suas partes íntimas e não lavava as mãos
após ir ao banheiro. Lamentável, porém engraçado, foi um incidente que ocorreu
um dia entre ele e minha mãe. No fundo de casa temos uma edícula que é usada
como lavanderia. Lá tem um banheiro, o qual meus pais deixaram apenas para o
pessoal que estava trabalhando na reforma. Embora houvesse um banheiro só para
eles, minha mãe foi ao quintal e surpreendeu o Seu Manoel urinando no canteiro.
Ele ficou tão sem graça... imagine minha mãe então!
Como eu sou dois anos mais nova que a filha do Seu Joel (ele tinha
um casal de filhos), fomos uma vez juntas a uma festinha durante o dia num
clube perto de casa. Conversando, lembro que fiquei chocada com a mesada que
ela ganhava: cem reais! O dobro do que eu ganhava. Até contei para meus pais para
ver se não rolava um aumento para mim. Sem sucesso... Lembro que fiquei
pensando que pedreiros devem ganhar muito bem, o que achei justo, pois é um
trabalho muito pesado.
Alguns meses após a reforma lá em casa – que virou A Casa do
Espanto durante as obras, – veio a triste notícia. Seu Joel foi assassinado por
seu filho. O filho que matou o pai em defesa da mãe, que apanhou do marido,
virou notícia no jornal e na rádio da cidade. Foi mais um daqueles casos em que
os expectadores acabaram dizendo: “ele era uma pessoa tão boa, não dá para
acreditar”.
Ao contrário do que tudo indicava, a casa ficou pronta e bonita.
Mas o final da história não foi feliz.
Qualquer semelhança com fatos reais não é mera coincidência.
Que história! Incrível como a vida é imprevisível.
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