A Reforma- Ariadne de Andrade Costa



Há anos atrás, uma infestação de cupins tirou o sossego de todos nós. O piso de toda nossa casa era de tacos de madeira e os armários eram antigos, embutidos, também de madeira. A casa era um verdadeiro paraíso para cupins. Para resolver o problema, todo o piso e os armários foram retirados e substituídos. Os armários foram trocados por esses atuais de MDF. A casa até que é grande e, portanto, como podem imaginar, essa foi uma longa reforma. O grande problema foi que não saímos de casa durante a arrumação...
Com todo o piso quebrado, armários sendo retirados, estava tudo uma verdadeira confusão! Não havia onde ficarmos: o único espaço “livre” era uma areazinha de luz, na qual podíamos colocar uma rede. E assim foram dias a fio.
Mas não havia só a confusão da destruição e sujeira da reforma em si. Tinha o pessoal trabalhando lá em casa na reforma. Gente pra lá, gente pra cá. Eram figuras peculiares. Três Manoéis: o pintor, o marceneiro e o servente. O pedreiro, “Seu” Joel, já era velho conhecido de nossa família e bastante querido por nós. Já havíamos contado com o auxílio de seu servente, Manoel, algumas vezes antes também. O filho de Seu Joel, um rapazote, também trabalhou como servente na reforma alguns dias.
O pintor Manoel era uma comédia, cheio das piadinhas. Ele era fã do que chamava de “disco voador” (ovo frito com a gema mole). Para ele, tudo era muito simples e rápido: “dois palitos”, ele dizia. Mas no fundo era meio enrolão e atrapalhado.
Já o servente Manoel, certo dia, admitiu que ficava com água na boca olhando a ração e os biscoitinhos de nosso cachorrinho no chão. Juro que não deixávamos o pessoal passando fome, recebiam almoço caprichado e lanche da tarde! Ainda assim, a comidinha do Schindler (nosso pequeno pinsher bravinho) era uma tentação para Manoel. Passados alguns dias, ele contou que experimentou as comidinhas e até que gostou! Daí em diante posso apostar que o Schindler ganhou um sócio na ração.
Outra pérola era o Seu Manoel, marceneiro. Mais um enrolão. Um senhor meio porco, que vivia coçando suas partes íntimas e não lavava as mãos após ir ao banheiro. Lamentável, porém engraçado, foi um incidente que ocorreu um dia entre ele e minha mãe. No fundo de casa temos uma edícula que é usada como lavanderia. Lá tem um banheiro, o qual meus pais deixaram apenas para o pessoal que estava trabalhando na reforma. Embora houvesse um banheiro só para eles, minha mãe foi ao quintal e surpreendeu o Seu Manoel urinando no canteiro. Ele ficou tão sem graça... imagine minha mãe então!
Como eu sou dois anos mais nova que a filha do Seu Joel (ele tinha um casal de filhos), fomos uma vez juntas a uma festinha durante o dia num clube perto de casa. Conversando, lembro que fiquei chocada com a mesada que ela ganhava: cem reais! O dobro do que eu ganhava. Até contei para meus pais para ver se não rolava um aumento para mim. Sem sucesso... Lembro que fiquei pensando que pedreiros devem ganhar muito bem, o que achei justo, pois é um trabalho muito pesado.
Alguns meses após a reforma lá em casa – que virou A Casa do Espanto durante as obras, – veio a triste notícia. Seu Joel foi assassinado por seu filho. O filho que matou o pai em defesa da mãe, que apanhou do marido, virou notícia no jornal e na rádio da cidade. Foi mais um daqueles casos em que os expectadores acabaram dizendo: “ele era uma pessoa tão boa, não dá para acreditar”.
Ao contrário do que tudo indicava, a casa ficou pronta e bonita. Mas o final da história não foi feliz.  Qualquer semelhança com fatos reais não é mera coincidência.




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