Eu o guardei como um graveto que, lentamente, desprendeu-se das minhas mãos repletas de dor e amor.
Água. Era o que ele queria naquela secura da morte e do deserto. Cortei minha mão com a ponta de um caco de vidro verde musgo que lembrava uma fonte cristalina numa floresta tropical. Deixei que gota a gota do meu sangue e de minhas lágrimas pingassem naquela boca infantil inocente, aberta, inerte.
O sol parecia arder mais na tentativa de aquecer meu coração. A areia queimava-me os pés lembrando-me o tempo da despedida.
Havia outros filhotes que, pouco a pouco, assustados, famintos e sedentos contornaram nossos corpos e, por alguns momentos, velamos aquele corpo sequinho que jazia em meus braços ao som do uivo do vento e do gralhar de uma ave de rapina que por ali passava.
Aquela coisinha miúda, sem vida, saiu de mim como um passarinho. Era com barquinho de papel que brincava nas poças d´água que se formavam em nossa aldeia depois da chuva.
Obedeci ao chamado da areia. Endireitei os ombros e, algo maior que eu, levantou-me. Foi quando avistei as pedras. Aproximei-me tímida com meu filho morto nos braços. Pedi licença. Perguntei se poderiam acolhê-lo, protegê-lo dos perigos guardá-lo pra mim. Elas, solidárias e comovidas, abriram espaço entre si e eu o depositei vagarosamente naquele berço da natureza ainda acalentando-o como se o pusesse para dormir.
Depois, afastei-me um pouco e elas, voltando aos seus lugares, o esconderam para sempre.
Uma borboleta azul pousou sobre uma delas, delicadamente, e eu segui com meus passos queimados seguidos por alguns outros pequeninos rumo à dignidade.
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(Professora e escritora - Conto inspirado em fatos reais relacionado à fuga do povo Yazidis perseguidos pelo E.I)
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