Brincar lá fora- Dalila Krauss de Lima Mizutani


Lembro bem que quando a criançada tinha autorização para brincar lá fora era porque os adultos queriam falar coisas que pequenos não podiam ouvir.
Tudo bem para a criançada. Livres e cheias de energia, brincar lá fora significava estar fora da casa, no quintal, que era aquele terreno enorme, limpinho, em volta da casa. Brincar lá fora era poder estar em contato com galinhas, porcos, cachorros e gatos.
Brincar lá fora  era montar arapuca para prender passarinhos, vê-los de pertinho e depois soltar. Pensa que é fácil fazer essas coisas? Prender um passarinho requer habilidade de um engenheiro civil, de um construtor de gabarito refinado. 
A turminha toda se empolgava em construir a arapuca, começava nesse instante a serem conhecidos os líderes e os que teriam que fazer o trabalho braçal. 
Os menores eram escalados para buscar gravetinhos finos, e bem rapidinho, vai num pé e volta no outro. Claro que o mais velho era o “sabichão”, o arquiteto e o engenheiro ao mesmo tempo, era designado o mestre de obras.
E dava ordens aos menores: "faz assim", "põe esse graveto aqui", "tira aquele dali", "aí não", "é aqui, senão não vai dar certo, você não está vendo?". E essa conversa ia longe, até muito tarde, quando o sol já estava se despedindo do dia.
Hoje eu entendo: o mais velho não punha a mão na massa e fazia do jeito que ele achava que era por medo de estar errado e isso se comprovar diante dos irmãos menores. Isso não podia acontecer, porque o mais velho sempre tinha que ter razão.
Naquele tempo já existia esse negócio de frustração, orgulho ferido, decepção, essas coisas que não deveriam existir na criança nem no adulto, a tal da superioridade e inferioridade. Acho que isso é o que existe de mais complicado na humanidade e já vem de fábrica, pai e mãe não tem acesso.
É a própria pessoa, dona dela, que pode levar a sua criança pra brincar lá fora sem se obrigar a ser isso ou aquilo, mas apenas ser, soltar os passarinhos, não querer ser o maior e nem o menor, simplesmente ser quem já se é.
Crianças e passarinhos foram feitos para voar, livres de amarras e estarem sempre lá fora encontrando o mundo.

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