- CACHORRONA! Um esbarrão e um susto.
Ela olhava distraída as vitrines do Shopping quase deserto. Gostava de perambular naquele horário, para evitar o assédio das vendedoras, cujos fregueses a crise espantara.
Ca-chor-ro -na ? As sílabas escandidas, vibrando em seus ouvidos, apressou o passo sem sequer olhar para trás. Por quê?
“ Psiu...psiu..". Menina, não seja assanhada" - a voz da tia solteirona, proibindo-a de se virar por conta de um assovio, gracejo ou elogio, que fosse (se bem que a flagrara algumas vezes numas guinadas de pescoço, fingindo que coçava a orelha)
Mas, cachorrona, é o quê ? Elogio, galanteio, xingamento, provocação? E a troco de quê, o ONA ?
Entrou na toalete , olhou-se no espelho : manequim 42, fazendo jus a todos os xavecos que lhe dirigiram : bijuzinho, gatinha, docinho de coco, chuchuzinho( esse nunca engoliu: feio pra caramba, cascudo, viscoso e inssosso) Também nunca lhe aplicaram os ÕES: peixão, avião e outros aumentativos reservados às gostosonas de peitão, coxão, bundão.
Tivera vários admiradores e até ganhou versos de poeta: " quero me afogar no seu olhar / como o sol que mergulha no mar."
Talvez o cachorrona não fosse para ela, mas estava sozinha e ainda sentia o esbarrão na perna. Lembrou-se da novela em que o personagem do Márcio Garcia chamava a de Claudia Abreu de cachorra, personagem bem escrachada . Cachorrona combinaria com a outra Cláudia, a Raia. Mas ela?
Deveria ter sido mais ousada e se virado para ver, pelo menos, se o sujeito era novo, velho, gordo, magro, feio, bonito, negro, branco... talvez alguém conhecido .
Puxou pela memória : seria o Carlão, daquele revéillon na praia? O mascarado do inesquecível carnaval do Rio? Ah, que inveja daquelas pessoas com resposta na ponta da língua, ou, como se diz comumente, não levam desaforo para casa. Deveria ter olhado, nem que fosse por mera curiosidade... Suspirou .
Paciência, jamais saberia .
Evocou novamente os galanteios de outrora: princesa, boneca, flor de maracujá, brotinho.
- Que pele de pêssego!
O quê? Peludo, com icterícia? Se ainda fosse pétala de rosa... Teve aquela vez que ficou fula da vida, quando um desavisado arriscou um " filé mignon"
- Atrevido!
- Mas benzinho, é a parte mais nobre do boi... Então vou chamá-la bombonzinho, cerejinha, cajuzinho...
- Seu canibal, antropófago, vá baixar em outra freguesia.
Por que cargas d' água desta vez ficou muda? Ah, que raiva! Deveria ter-se virado imediatamente e bradado a plenos pulmões:
- CACHORRONA é a MÃE .
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