Chover no Molhado- Jugurta de Carvalho Lisboa


    O título desta crônica é uma expressão pouco usada e conhecida, principalmente pelos mais jovens. Quando se quer repetir o mesmo conselho dado a uma pessoa, sabendo-se que ele jamais será seguido, ou viver sonhando com coisas utópicas, diz-se que isto é estar chovendo no molhado. Estes são apenas dois exemplos desta expressão, sendo que ela poderá ser usada em outras tantas situações semelhantes.
    O leitor já pensou na pretensão de alguém querer mudar os hábitos e costumes de um idoso? Seria o mesmo que querer dobrar o tronco de uma árvore centenária. Em outras palavras, cometer um ato de violência.
    Cada indivíduo é portador da sua personalidade, que normalmente é fruto da genética e esta é imutável. Hábitos e costumes são adquiridos ao longo do caminhar e são passíveis de mudanças, antes que estejam sedimentados na massa do sangue.
    Feitas as considerações acima, a intenção deste cronista seria tornar o texto universal. Entretanto, enquanto pensava em identificar exemplos pertinentes ao tema, resolveu torná-lo meramente pessoal.
    Então, vamos lá! Sou um velho de oitenta e dois anos, portador de hábitos e costumes em dose exagerada. Sigo o exemplo de Cristo que, segundo o Apocalipse, teria dito que não gosta de gente morna. Com isso, sou intenso em tudo que faço e não consigo esconder o que sinto.
    Em que pese minhas oitenta e duas primaveras, sou fascinado com o trabalho, sendo tachado pela minha esposa como um workaholic. Uma coisa que me causa tédio é quando sinto que no dia seguinte minha agenda de trabalho está vazia. Não consigo passar um dia sequer, na ociosidade. Tenho minha oficina munida de equipamentos para trabalhar com serralheria e madeira. Vejo esse espaço como um verdadeiro Templo, onde dou vazão às minhas energias físicas.
    Como tenho o hábito de executar todos os trabalhos relacionados com nossa residência, tais como parte hidráulica, elétrica, conservação, manutenção da piscina, grama, cerca viva e demais afazeres, sou criticado por um dos meus filhos, que me tacha de munheca, porque estou tirando o ganho daqueles, cuja sobrevivência depende destes tipos de trabalho.
     Tenho consciência de que não respeito meus limites e, assim, fico exposto, não só sob a vigilância da esposa, mas também sob o controle remoto, principalmente das filhas, que não dão trégua e de longe, é um tal de Ely, não deixa o papai fazer isto, Ely, não deixa o papai fazer aquilo. Isto é quase que diariamente.
    Voltando ao tema, já pensou a perda de tempo em querer mudar a cabeça deste velho? Isso é um verdadeiro Chover no Molhado.




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