Conto para Leda- Catarina Potério


                Cheguei em Roma me achando o máximo. Pelo menos não estou me procurando.
                Pensa que ontem sai do hotel Nizza em Firenze, rolando minha malona  até a estação do trem. Nas costas, a ridícula mochila e no ombro a bolsa grande e pesada. As calçadas estavam cheias de gente e tive que ir desviando de cá e de lá e dando última olhada nas vitrines.
                A Estação Santa Maria Novella é distante uns 660 metros do hotel e assim, eu e várias colegas que embarcariam juntas, seguíamos quase em fila pela calçada. Cada vez que uma via alguma coisa interessante numa vitrine, chamava as outras e assim congestionamos a calçada com as malas. Imagina quanta coisa linda tem nas vitrines de Firenze então imagina quantas paradas fizemos.
                Saímos do hotel às 18:00h e o trem para Roma partiria às 19:10h, então deu tempo para rolar a malona, ver as vitrines, atravessar as ruas super movimentadas e ainda comer um Mac Donald na estação. Deu tudo certo, aprendi que tenho que ver o número do trem e não para onde ele vai.
                Hoje, aqui em Roma, saí lá pelas 15:00h e justo na hora de escolher se saio à direita ou à esquerda, escolhi à esquerda... deu no que deu..
                A Via Tagliamento que é onde estou hospedada, se localiza numa região sofisticada, ruas arborizadas e muito limpas, um comércio diferenciado.
                Ontem, como cheguei à noite e morta de fome, jantei aqui perto numa pizzaria, repleta de famílias numerosas e alegres. Uma experiência interessante, numa sexta feira, estar sozinha na pizzaria, fez a mesa ser maior.
                Talvez este trajeto de ontem me fez determinar hoje a escolha à esquerda  e deu no que deu.
                Fui explorando a vizinhança, localizei a padaria pertinho, quase em frente ao B&B e fui descendo a rua até um enorme parque. É sábado e os pais, babás e afins estão passeando com as crianças e os cachorros. Continuo descendo a rua, a idéia era chegar a Via Vêneto que é a minha preferida e dela para a Nazionale.
                Encontro um bar para comer e comprar os tíquetes do ônibus e metrô. Como um doce com café, os tíquetes na mão e uma parada de ônibus  100 metros à frente, paro, leio a placa e vejo que o ônibus 63 me levará a Via Vêneto.
                Bom, quando a gente escolhe o ônibus, passam todos os outros destinos, menos o nosso. Fico esperando, passa o 94, passa o 73, passa o 35 mas, o 63 não aparece.
                Estou por desistir e voltar para casa quando chega o majestoso e animada de novo, entro no ônibus. Sento logo no primeiro banco e vou viajando....
                Havia notado que o trajeto era longo, certo que não esperava que fosse tão longe e o ônibus vai se enfiando em lugares estranhos, por estranho quero dizer, bairros populares, sem cara nenhuma de ser o belo centro de Roma. Muito menos a bela Via Vêneto, onde esperava tomar ainda café no Café de Paris, lugar belíssimo que foi cenário de inúmeros filmes feitos na cidade.
                Mas o ônibus continua sua viagem, não é possível, estava escrito o trajeto na placa, em cima do postinho da parada do ônibus. Se vê que alguma coisa deu errado. O ônibus enfim pára na Capolinea, cabeça de linha, ou no popular: ponto final. Todos descem, eu também e olho em volta e sei que estou perdida! Perdida em Roma!
                Isso me lembra a última vez que me perdi em Buenos Aires. Estávamos, eu e o marido, hospedados em Maipú, justo na rua onde morava o poeta Borges e eu o procurava todas as manhãs. Pensava que poderia por ali passear com a sua Maria porém, nunca o vi. Naquele dia, tínhamos estado vagando pela cidade e quando já cansados, bem no final do dia, procuramos o ônibus para voltarmos para o hotel. Esperamos um pouco e logo ele veio com a escrita brilhando Maipú! Puxa, que sorte, entramos logo, pois, aconteceu a mesma coisa hoje, o ônibus rebelde, tomou um rumo inesperado e foi também se enfiando nuns buracos que não aparecem em propaganda para turista nenhum.
                Em Maipú, aconteceu que Maipú não é somente um nome da rua onde estava hospedada, era também um arrabalde de Buenos Aires e lá descemos num ponto final também e foi uma aventura voltar.
                Hoje, aqui, ainda não descobri o mistério, tenho certeza que depois que entrei no ônibus, lá fora, o que era 63 magicamente mudou para 35, de propósito para atrapalhar meu  dia.
                Então estou num terminal!!  Por isso se chama terminal, tão terminal que terminou... Dou uma boa olhada em volta.. e que esperava? Reconhecer alguma coisa aqui? Como poderia? Maluca!! Sou daquele interiorzão, não estou acostumada a usar ônibus, nem indo nele para Barrinha, distante de casa 15 Km, só poderia dar no que deu... KKK
                Sento num banco e está tudo parado em volta. Os ônibus estão parados e os seus motoristas fazem rodinhas lá na frente da praça. Percorro com paciência cada ponto de ônibus que tem a placa indicativa dizendo para onde vai e é claro, não conheço nenhum daqueles lugares, olho o relógio e ainda está claro o dia, tenho tempo para me achar de novo, penso.
                Considero as possibilidades, a melhor seria tomar um taxi diretamente para via Tagliamento, certo, seja objetiva. Então saio do terminal e  constato que o bairro é pobre, é sábado à tardinha e nenhum sinal de taxi, não passa viva alma neste terminal e volto para o terminal, onde os motoristas começam se direcionar aos ônibus até então, mortos. Decido entrar no mais simpático, no caso, o mais próximo.
                Precisava sair daquele buraco, um buco, como dizem os italianos. Pensei assim, vou olhando de dentro do ônibus e quando vejo um local mais movimentado que possa encontrar um taxi, tudo bem, desço e procuro o taxi. Então o ônibus foi andando e andando e entrou gente e saiu gente, agora, entraram dois rapazinhos estilo ridículo, um tem atrás da orelha esquerda um pedaço de cigarro já fumado. Falam alto pelo celular, riem muito alto e logo, deles vem uma música muito alta. Adivinha onde escolhem sentar? No meu lado né ?
Enquanto isso, escureceu la fora , escureceu mesmo e isso quer dizer que são 19:00horas e o comércio está fechando !! Perdi o café!! Não acredito!! Minhas possibilidades estão diminuindo e começo me inquietar, olhando e olhando e nada está me parecendo que um taxi possa passar lá fora. Bom, o pior que pode acontecer é o ônibus parar em outra Capolinea, ou seja, outro terminal. Tem um filme muito legal, de um cara que se perdeu assim em NY e passou a noite inteira pelas ruas. Parece mesmo um pesadelo que não quero viver. Então, fica esperta!! 
                Em uma curva descubro que a aparência lá fora está melhorando e dali a pouco, do nada, vejo um monte de taxis estacionados.         Espero que não seja apenas uma convenção de taxistas romanos e corro para apertar o botão que faz com que o motorista pare o ônibus na próxima parada. A parada está tão longe que adentra a Via Nazionale!! Ora veja!! Ora bolas !! Sem querer agora estava na Nazionale, quase em frente ao palácio do governo. Um movimento danado lá fora e pulo do ônibus assim que as portas de abrem.
                Nossa, é tudo este centro de Roma. Bem devagar vou subindo a rua em direção ao ponto de taxi que havia visto. Considero ainda dar uma boa passeada por aqui mas, o juízo me cutuca lá de dentro e diz que daqui a pouco, com o comércio fechado, não vai ter taxi nem para urgência e vou ter que entrar em outro ônibus e começar tudo de novo !!
                Então vou adiando, vendo as vitrines, ainda tomo um café e descubro os taxis todos estacionados ao lado de um super hotel de luxo, daqueles que tem três camaradas vestidos de farda vermelha com frisos dourados, os chapéus que orgulhosamente carregam nas cabeças parecem ter um galo cheio de penas pregados lá. Tem ainda pom pom caindo das beiradas do chapéu. Como é que não caem estes chapéus quando eles se movimentam? Vejo ainda as longas luvas vermelhas.
                Não posso perder isso tudo por nada, tenho que ver de perto e atravesso a rua. Diminuo o passo e vou observando os detalhes.              Aparece mais um porteiro em farda vermelha e agora vejo que usa também botas altas em veludo
                Penso logo que a porta do céu poderia ser assim, puro luxo!!
                Rodin quando fez as Portas do Inferno ainda não conhecia esta maravilha, estava por certo deprimido ou poderia contratar para a sua Porta, estes porteiros!! Dão um show e animam qualquer mortal a se acabar lá dentro. Se acabar literalmente, quanto poderia custar uma estadia neste luxo todo ? E eu que estava me achando na via Tagliamento!! Passo na frente da porta do céu vagarosamente e ainda vejo as portas se abrirem para que madames e "madamos"  entrem ou saiam elegantemente vestidos e perfumados. Num vislumbre vejo o lustre maravilhoso que domina o enorme hall.
                Não tenho mais como fazer hora, os taxis estão enfileirados. São uns taxis quadrados e altos, taxis de luxo, luxo. Eu ainda penso que dinheiro de rico não é diferente de dinheiro de pobre. Quando os dois têm o mesmo valor no bolso, claro !
                Isso eu constatei em Zurique, quando lá estive.  Aconteceu que fazia um frio danado e eu resolvi usar uma bota linda que tinha.      Teria dado super certo, visto a elegância local, se eu não estivesse me recuperando de uma fratura no ossinho do pé. Tenho o pé muito magro e os ossinhos de vez em quando sofrem uma fratura.             Neste caso, eu havia passado uma lixa no pé e na hora, girei o pé para cima e cracht !! Lá se foi o ossinho
                Bom, passeávamos eu e meu escudeiro marido em Zurique, quando o ossinho acordou e eu tive que procurar um taxi para voltar para o hotel. Nosso guia da manhã,  havia recomendado para que não usássemos os taxis locais porque custariam uma fortuna. O que seria uma fortuna por uma corrida de taxi? Resolvi descobrir.
                Ele deveria ter razão, os taxis, eram lindas Mercedes, guiadas por enormes e loiros senhores!! Mas, eu deveria usar um deles, nem que empenhasse a minha futura aposentadoria!! KKK
                Meu pé insistia que era naquela Mercedes que queria passear. Falamos por cifras e em cifras, eu e o taxista, combinamos o preço até o hotel, marquei o valor num papel e ali descobri que os tapetinhos persas que agora pisava, não me seriam cobrados integralmente.
                Agora, aqui em Roma, não é uma Mercedes, qualquer um poderia dizer a marca desse carro quadrado e alto, mas eu não sei. Só conheço Mercedes, o resto inegavelmente não merece registro e nem respeito, salvo meu golfinho preto, claro!! KKK
                Entro no taxi e rumamos para a via Tagliamento. Roma está bem escura à noite, talvez pelo grande número de árvores. O taxi pára e o motorista diz: É aqui.  E olho fora e não reconheço o palazzo e digo: Não, não é aqui.
                Ele replica: - O numero 55 é aqui. E eu: Aqui onde ?
                É uma esquina e esquina não tem número, deve procurar o 55. Ele insiste de lá e eu de cá mas, como está muito próximo do 55 resolvo descer e não criar mais problema nenhum.
                Ele se vai e olho em volta e vejo logo ali a padaria. Viva!!
                Ainda está aberta e eu morta de fome. Volto para casa com uma coca cola, uma fanta de latinha e mais uns salgados deliciosos, uns de azeitona, outros de tomate seco. Um dia alguém ainda vai me explicar porque aqui o tomate seco é doce e no Brasil é tão azedo e  horrível.

                Abro a porta do palazzo e dou o sábado por terminado. Já me achei de novo !!!



Comentários