Em 1960, havia a estação da Mogiana, onde eu sempre ia pegar o trem para
Tambaú, pois minha mãe morava lá.
Foi numa dessas viagens que eu descobri um artista mirim.
Aqui vou contar como tudo aconteceu.
Foi um dia de sábado, fui para Tambaú de trem, na segunda classe,
visitar minha mãe.
O trem estava cheio de romeiros
que iam para Tambaú, a maioria era mineiro, que são muito religiosos.
No vagão só tinha um banco vazio, bem perto da porta que dava para ver
todas as pessoas que nele estavam.
Alguns homens fumavam cigarro de palha deixando o vagão repleto de
fumaça que dava até tosse.
As mulheres, sempre quietas cuidando dos filhos, submissas aos maridos
Um senhor, de nome Joaquim, falava com seus companheiros de suas plantações,
das pragas e da chuva que estava demorando a vir. Já o outro, de nome José,
falava das minas de ouro que não estavam achando nada.
Assim era, mais ou menos, o diálogo entre os
dois:.
-
Sabia que compadre Manoel mudou?
- Para onde ele foi?
- Foi para o Paraná.
- Não me diga, ele não quis mais tocar
café?
- Óia, senhor Joaquim, ele me falou que lá
é seu lugar, já que ele é paranaense.
Dona Maria, mulher do senhor Joaquim, permanecia calada com seu filho de
seis meses no colo. Quando a criança chorava, dava sua teta sempre jogando um pano
para cobri-las.
Prosa vai, prosa vem, descobri que o senhor Joaquim estava indo a Tambaú
para levar seu filho mais velho, nove anos mais um pouquinho, para o padre Donizete
benzer, porque, dizia ele, estava endemoniado.
Todos do vagão se benzeram e disseram cruz credo três vezes.
Pensei... qual será o tipo de demônio
que pode ter uma criança dessa idade?
Ele dizia que seu filho pegava uma
folha de papel e desenhava tudo que via e foi tirando um saco de papéis
desenhados.
Eu
não acreditava no que ouvia.
Era
maravilhoso, o garoto era um gênio pela sua idade.
O caminhão que desenhava era perfeito, Nossa Senhora também, o desenho
de um toco já queimado, perfeito.
O garoto sabia fazer de tudo e o pai, falando que ele estava endemoniado,
aí que tive que interferir...
-Espere aí senhor, seu filho é um gênio, um artista, o senhor tem que
por ele em uma escola, que ele vai longe.
-Moça, vosmecê está me chamando de ignorante?
-Não é isso.
-Então o que é?
-Seu filho é inteligente e quantos outros nesse trem não tem?
-Moça, eu quero que o padre Donizete, benza meu filho.
-Tudo bem, eu acho que ele vai benzê-lo pela sabedoria. O senhor vai
mostrar o que seu filho faz?
-Vou, por isso que está aqui comigo.
Mas eu não podia me calar, diante de
tal situação.
Ele ainda me disse:
-Meu filho, um artista criado lá no
mato? Onde já se viu?
-Seu Joaquim, seu filho tem que ir
para a escola
Respondeu-me:
-Nada disso, daqui uns tempos, vai
pra roça comigo.
-Posso falar um negócio para o
senhor? Seu filho é um artista, ele não tem nada de diabo agarrado nele. Tudo o
que eu disse o Senhor vai ouvir do padre.
-Será moça?
Daí eu tive que me calar, diante de
um artista tão pequeno e de grande talento e de um pai tão ignorante.
Fiquei pensando nos grandes artistas
que temos e que, por ignorância dos pais não têm reconhecimento.
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