Imanência e Arte- Waldomiro Waldevino Peixoto


Stradivarius estende-se, em repouso
E profundo sono
Estirado em – de couro feito – berço
Aconchegante e aveludado.
Com distendida crina – de mongol corcel – entre
A ponteira e o talão,
Queda ao lado – de pau-brasil – o arco
Douro-avermelhado.
Cada qual em seu lugar,
Em compasso de preliminar espera,
Lassos e prontos para o grande feito
De suas vidas, predestinados.

A partitura aberta: debruçadas
Suas asas brancas esperam
Sobre a estante, e exibem – pombas
Sagradas – suas figuras musicais,
Notas entretecidas por esconsa magia
De bequadros, sustenidos e bemois
Que invadem linhas suplementares,
Explorando profundezas graves
Da alma e agudos voos infinitos,
Incontidos e celestiais e organizados,
Além, sobre paralelas e espaços,
Pausas e compassos.

Arte inda imanente e imanifesta,
O violinista toma ao peito
– Corpo ereto e busto à frente,
Em proeminente anseio – o stradivarius,
E finca-o sobre a clavícula, ombro e coração.
Pernas em staccato, semiabertas
E plantas ao chão, consuma,
Ferindo, ora sôfrego ora lânguido,
A humana e divina comunhão.

Com retesado arco, do violino suas cordas
O violinista fere e fere e fere,
Proativo, arrancando – da essência
De sua alma – tensas e intensas notas
Para, em próximos compassos, supino,
Derramar-se em suave lassidão.
Como na Quinta de Beethoven,
A arte, angustiada e ferida antes,
Derrama-se, transcendente agora,
Depois do Destino incerto,
Em busca do repouso dos remansos,
Em profunda mansidão.

O violinista e a orquestra engravidam de sonoras ondas,
Até às entranhas, o grande auditório.
E a plateia, em simbiótica
Comunhão, funde-se às teclas e cordas,
Madeiras, metais e percussão,
Para que, do encantamento entretecido no ar
Uníssonos – músicos e ouvintes – completem
E consumam a arte plena, filha da mágica interação.
Stradivarius e arco, partituras e regente,
Músicos e orquestra,
E a plateia envolvida, navegando
No encantamento mágico do som,
Possam juntos, todos, dar vida
Plena a Euterpe – em prazerosa libação.



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