Eterna procura- José Micheli


     Para nós, completamente leigos, a primeira e a última impressão são as que ficam. Então, diante de nossa minúscula e irrelevante percepção, podemos nos arriscar ao presente relato.
    Quando um forte aquecimento criou a revolta físico-química e tomou conta do universo, o equilíbrio então rompido foi assim convertido em enorme reação.
    O que era composto desintegrou-se e a matéria resultante, insurgiu-se com incontrolável força quase consumindo-se num universo em expansão contínua.
   Separadas do todo anterior, as partes, então desprendidas, resfriadas e combinadas, ajudadas por outros elementos,  criaram as condições para a criação e evolução da vida em nosso planeta?
    Água, terra, fogo, esse último, saindo de seu centro para respirar. Rochas como se originárias de caldo vulcânico parecem vindas de outro mundo.
    Mas afinal, que mundo?
    Qual a origem primeira?
    De onde, de quem, os elementos que nos deram origem?
    Qual a identidade genealógica dos seres existentes antes do rompimento?
    Somos o resultado, a herança de seres antes existentes,  ou somos as matérias residuais, as sobras, as partes de outro mundo que formaram novos seres?
    Somos, então, o que restou de uma existência anterior, acumulado pacientemente, milhões e milhões de anos?
  Nós, confinados, estamos nessa plataforma flutuante, girando no espaço, presos por sua força gravitacional.
   Terra, embora tenhamos tentado, não conseguimos eliminar a constatação de nossa solitária existência, no espaço desse imenso universo.
    Ainda estamos e nos sentimos sós, como gênero e espécie.
    Junto a nós, os demais elementos da maravilhosa natureza.
    Companheiros tão maltratados garantem nossa sobrevivência, num fantástico equilíbrio de uma engenharia sabiamente elaborada.
   Agora, depois de tudo, estamos diante dos desafios existenciais: Somos parentes próximos de possíveis seres que habitavam o mundo anterior?
     Seriam nossos ascendentes deuses independentes, sem limites de posse e livres para tudo?
    Daí nossa revolta, nossa não aceitação dos limites,  nosso instinto para tudo explorar, voar no infinito espaço, singrar os mares, adentrar a terra em suas profundezas?
    Nossa pobre concepção, quando comparada a de nossos possíveis e imaginários ascendentes?
    Somos, então, fruto do exagero, de desmedido poder, da arrogância de nossos pais e irmãos, antes deuses?
    Então, a busca de sentido, de um objetivo maior, de uma razoável explicação para um mundo que não entendemos como definitivo, esperançoso e berço da eternidade?
    De nossas idas e vindas, cotidianamente exercitadas?
    O sentido apenas de ser e estar? 
    Estamos sempre de passagem. Pensamo-nos evoluindo, mas a humana rotina não muda.
    Mudam apenas as criações já humanas, algum conhecimento, espaçonaves e outras tantas.
    Não mudamos nós mesmos, na explicação e sentido da vida.
   Condicionados por tempo e espaço, estamos diante de situações que não nos permitem soluções.           Falta-nos o real e verdadeiro entendimento. Por que submetidos estamos, sempre, ao mesmo e único fim? Condenados, desde o início de nossas vidas e eternamente, a mesma passagem, mesma rotina de vivências na terra, e, com destino, entre os destinos, já concebidos?
    O limite, a rotina imposta, o confinamento nesse pedaço de matéria desgarrado, flutuando na imensidão, é o motivo de nossa revolta e de nosso velado inconformismo?
Estamos cumprindo uma trajetória já determinada por nossa preocupante herança, recompondo, pouco a pouco, milênio por milênio, a parte perdida no desmonte do mundo anterior?
Desde o momento, desde o instante primeiro e único de nosso próprio descobrimento, quando nos percebemos “diferentes” dos demais habitantes desta terra iniciamos a procura, a recomposição do elo que imaginamos perdido. Mas, passado todo o tempo, ainda não conseguimos nos explicar. Essa insana rotina, aliada a nossa intrínseca capacidade e inconformismo é que nos leva a transcendência? A procura de alguém, que nos liberte dessa prisão, não apenas física, dizendo-nos detentor da fórmula, da última e talvez definitiva receita? O criador, Pai de tudo e de todos.
Diga-nos o que fazemos?  Para onde caminhamos? Qual o sentido? Seremos para sempre seres á procura de nós mesmos? 
    Deus dos deuses. Deus dos humanos seres, responda-nos. Responda-nos, Senhor. Estamos condenados eternamente ao esquecimento que nos espera, carregarmos montanha acima, montanha abaixo, a mesma pedra, ao mesmo destino de Sísifo?
    Já ouço sua voz, Senhor, dizendo que perdoa minha inconsequência...
    Que tudo poderá passará neste nosso mundo.
    Até mesmo a ... Eternidade pré concebida.





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