I
Tinha quatorze anos, a pele de porcelana branca cheirava a cravo e os grandes olhos negros e pestanudos eram coroados por incríveis sobrancelhas escuras, grossas. Morava nos Peixotos, bairro pobre de Cássia. Nunca saíra de casa. A vida era trabalho, sofrimento e muito sonho. A irmã mais velha e o noivo resolveram levá-la à Igreja, naquela noite. O vestido florido, simples, alegre, modelava as formas arredondadas, as nádegas firmes e mostrava as pernas torneadas. Foi na Praça que o viu, elegante, de terno branco e chapéu coco. Ficaram se olhando, rodeados de flores, o perfume forte impregnando o ar, quase os deixando tontos. No dia seguinte, ela estava na cozinha, quando o pai chamou: “O moço aqui quer casar com você. Você quer?”. Ela sentiu como se mergulhasse em um abismo de rosas. Baixou os olhos, sorriu e disse que sim.
II
Ele era judeu, rico, o pai, dono da metade de Belo Horizonte. Ela, paulistana, estudante pobre – viera cursar a Universidade na Capital Mineira. Era abril e o céu das Alterosas parecia mais translúcido. Brisa fria brincando nos cabelos das crianças, na Praça da Liberdade. Ela, solta, desprevenida, abandonava-se à leitura de um romance moderno. Levantou os olhos e viu o rapaz moreno, olhando-a como quem descobre um tesouro. Ela enrubesceu como as rosas do canteiro ao lado. Conversaram com o encantamento de pessoas assinaladas, quando o encontro é uma profecia. Uma semana depois, a família dele, com mil olhos, já sabia do recente amor. O pai foi categórico: moça não judia e pobre, dois problemas insolúveis. Ofereceu ao filho toda sua fortuna, se ele abandonasse a jovem de São Paulo. Ele aceitou.
III
Ele tinha obsessão por cabelos ruivos: atração pelo fogo que o queimava no íntimo? Alto, moreno, um garanhão inquieto. O helicóptero voava sobre a igreja, quando ele viu a cena comum: um noivo mirrado, de óculos. De longe, ele a percebeu e encontrou seu destino. As grandes hélices horizontais foram baixando, esparramando os convidados assustadiços. De perto, a noiva olhou intrigada para aquele magnífico espécimen que lhe sorria e lhe estendia as mãos. Ela não pensou duas vezes e deixou se levar por dois braços que a prenderam como garras de aço. Quando ela entrou no helicóptero, o véu caiu e seus cabelos vermelhos esparramaram-se, como um mar colorido.
IV
A vida não é matemática, é mágica. Como explicar a atração? Ela, com trinta e cinco anos, é fêmea madura, fruta sumarenta para ser colhida. Ele, com vinte, ardor de planta nova, desejos contidos em vulcão. Quando dançaram, saíram faíscas de seus corpos e as mãos não conseguiam se separar. Olhos se comendo, o macio dos lábios se desejando, magnetismo. Poucas horas depois, os corpos se entregaram com a fome de milênios. Ela, cabelos louros espalhados sobre o travesseiro macio, dorme. O quarto na penumbra, o cheiro de flores entrando pela janela. Ele, nu, de pé, belo como um deus grego, contempla-a no seu sono de mulher realizada. O luar unge os dois, iluminando com reflexos prateados os amantes felizes.
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