No Metrô- Nely Cyrino de Mello



    Embarquei no Terminal Rodoviário Teitê e, após duas estações, perfeita equilibrista, a mala de rodinhas escorregando entre as pernas, consegui o assento preferencial.
    Foi então que notei a freira sentada à minha frente. O hábito cinza-claro, de tecido leve, o véu branco, preso numa tiara, deixava à mostra uma faixa de cabelos castanhos bem cuidados (novos tempos).
    Imóvel, impassível, olhar longínquo, apenas movimentos quase imperceptíveis dos maxilares: ruminando pensamentos? Rezando? A aliança no anelar esquerdo revelava sua condição de esposa de Jesus. O que a teria levado a essa escolha? Vocação? Imposição familiar? Desilusão amorosa?
    Fui interna em colégio de freiras e adolescente temente a Deus, acreditava em vocação religiosa.
    A cada parada do trem, uma avalanche de entrantes e poucos saintes tornava aquela muralha humana mais compacta, ocultando a criatura observada.
    Minha atenção concentrou-se, então, nos palreantes jovens que irromperam carro adentro na Estação a Sé, principalmente em duas meninas bem insinuantes: uma com roupa colante marcando celulites e a outra trajando sainha godê, curtíssima e tão leve que esvoaçava a cada lufada das portas, deixando à mostra a protuberância nadegal.
    Naquele empurra-empurra, encosta-encosta, aperta-aperta (de onde sai tante gente!?) acontece um episódio grotesco: um senhor de porte atlético, aparentando uns 50 anos, agarrou um rapaz pelo pescoço, arremessou-o da plataforma, com sopapos, pontapés e palavrões.
    O trem retoma seu trajeto, o sujeito apalermado lá fora e o super-herói, bufando de raiva, dirige-se à moça de sainha esvoaçante:
    - Garota, isso é traje para metrô? Viu o que provocou? O cara já estava com a braguilha aberta! Se você fosse minha filha, levaria boas palmadas. Pálida e assustada, ela emudeceu.
    A massa amorfa transformou-se em grupo social. Uns condenando a menina (“é por isso que tem tanto estupro”, diziam), outros maldizendo o tarando e elogiando o defensor de donzelas.
    Observei os outros jovens, agora quietos: piercings, tatuagens, adereços exagerados, cabelos esquisitos...
    Revivi meus verdes anos. Quantas diferenças! Quantas convicções, quantos pudores e pruridos éticos.
Quando se é jovem, temos muitas certezas. Na maturidade, só questionamentos.
    Aos poucos, o carro foi se esvaziando e voltei a observar a freira, parecendo em transe, inabalável, e, ao ouvir o anúncio da próxima estação, tirou a bolsa e uma bengala dobrável e saiu às apalpadelas, com a ajuda de alguns passageiros. 
    Perplexa com minha desatenção, continuei divagando até meu destino (Estação Santa Cruz), remoendo lembranças e ponderando o imponderável. 

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