O Bolo Cor de Rosa- Lenapena



            Ontem ao passar por uma confeitaria, vi na vitrine um bolo todo enfeitado de flores rosadas. Na mesma hora, me lembrei do bolo cor de rosa que minha mãe fez no meu aniversário de 9 anos.
            Acho incrível como as memórias ficam armazenadas em nosso cérebro.
            Já li que tudo que vivemos no dia, vai pra um reservatório preliminar de memórias, e lá é feita uma "seleção" que ninguém sabe bem quais sejam os critérios de escolha, e as escolhidas vão para um outro local, chamado de hipocampo, e ali ficam bem guardadas.
            Um acontecimento pode trazer à tona as lembranças ali arquivadas.
            Eu tenho muitas lembranças guardadas, nesse local especial do cérebro.
            Às vezes penso que selecionei e arquivei muitos fatos ocorridos em minha infância, exatamente por ter tido perdas muito cedo, em minha vida.
            Seja como for, esse botão que aciona as lembranças vive disparando, dentro do meu cérebro. Ontem foi só ver o bolo na vitrine, e lá fui eu, me encontrar com o meu BOLO COR DE ROSA.
            Menina do interior, morando em uma pequena vila, de ruas de terra, qualquer acontecimento diferente, enchia os meus olhos.
            Sempre fui muito conectada com a vida, interessada em tudo ao meu redor.
            Me lembro que chegara o mês de novembro, e junto se instalara a minha ansiedade, de que ele pegasse carona no rabo de um cometa e desaparecesse, dando lugar a dezembro.
            Ah, eu amava esse mês, ele trazia o Natal com ele, e o meu aniversário.
            Aquele ano eu completaria 9 anos, e minha mãe havia me dito que eu poderia convidar as crianças da vila, para um festinha à tarde em nossa casa.
            Dali para frente, o calendário parou de andar, os dias passaram a ter 48 horas. Por fim, chegou dezembro e o dia de comemorar meu aniversário.
            Minha mãe, começou a preparar os docinhos para a festa, doces do interior, beijinho, olho de sogra, doce de batata doce, tudo passado no açúcar cristal. As bandejas ficaram lindas, para os olhos da menina simples daquela vila.
            Eu estava preocupada com o bolo, e perguntava a toda hora: mãe, e o bolo?
            Ela deixou o bolo, pra fazer por último, dizia, que quanto mais fresco, mais gostoso ele ficava.
            Fiquei olhando minha mãe a prepará-lo, embevecida com o seu jeito carinhoso e calmo em tudo que executava.
            Não demorou muito e a casa toda, cheirava ao bolo saído do forno. Ela o recheou com um creme feito de leite, maizena, açúcar e coco ralado na hora.
            Eu raspei a panela do recheio, e até hoje consigo sentir o gosto delicioso daquela mistura.
            Na hora de cobri-lo, ela bateu as claras em neve com açúcar, e a surpresa maior pra mim, foi quando ela pegou algumas gotas do suco da beterraba crua, e deu a cor rosa a cobertura.
            Me lembro de perguntar a ela, como sabia fazer aquilo, e ela respondeu, que havia lido nas revistas "Seleções".
            Colocou a mistura sobre o bolo, que ficou lindo, todo rosado, e acrescentou uns confeitos que tinha no armazém de meu vô Totó, umas bolinhas prateadas, duras como pedra, que quase quebravam o dente da gente ao mascá-las.
            E lá estava meu bolo de aniversário o mais lindo que tive em toda minha vida !
            Esse foi o último bolo que minha mãe fez para mim. Não demorou muito e ela fez a grande viagem, de retorno à pátria espiritual.
            Esse bolo ficou arquivado em minha memória afetiva, e vira e mexe, ele ressurge em minhas lembranças, lindo em sua cor rosa, e brilhando com suas bolinhas prateadas.
            Nenhum outro bolo, que tive para comemorar meu aniversário, teve para mim a beleza e o gosto daquele, feito por minha mãe com o suco da beterraba.
            Nunca consegui descascar uma beterraba, sem que me recordasse, do meu BOLO COR DE ROSA.





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