O Cientista- Thereza Freirez


     Na última sexta feira do mês de outubro, Rebeca fora levar  sua funcionária até o hospital-escola para uma consulta.
    Pouco a pouco as pessoas encheram o saguão. Eram homens e mulheres que, de forma explícita, expunham seu desasseio no exterior, porém no interior eram mais degradantes, ridículas idéias e concepções sobre a vida. Enfim, eram seres ignóbeis por fora e mortas por dentro.
    “Como sou superior a esta gente que aqui está!” - pensava Rebeca.
    Principalmente por ela ser mais viva, seus olhos percorriam a sala e o vazio daquela gente a lisonjeava. Ainda mais se eles soubessem que ela era provedora daquele hospital-escola de medicina. Mas eles não sabiam. Sua ação era um destes fenômenos que sem explicação se produzem envolto num tão imenso e profundo mistério. Mesmo assim, ela se sentia uma vitoriosa, algo vitalizador.
    Aquela gente excluída, que nada concede ou nada apetece, estava ali sentada sem reconhecer a inutilidade também de ali estar.
    - Já fez a sua ficha Elisa?
    - Sim, dona Rebeca.
    - Então, vamos sentar ali do lado.
    Rebeca observava os sextanistas e residentes: os jovens médicos estavam ávidos, andavam auscultando até os objetos e eles riam na mais pura vaidade diante de uma radiografia. 
    A necessidade de assistirem os doentes era uma espécie de compulsão que traziam com eles; uma descontração passageira e enganadora, que de uma forma primitiva conduzia à satisfação imediata, e se vangloriavam da mesquinhez inconsciente. No entanto dentro em breve estariam vendo tudo isso com indiferença.
    A chama da pessoa realizada, sobretudo, com a ocasional sordidez. E também, é claro, as idéias extremas que estariam em perigo de vida. A consciência do nada tomaria forma muito significativa: o homem que estuda o homem. Rebeca questionou-se: qual a diferencia entre um e o outro?
    De súbito, desviou a atenção dos acadêmicos ao ver uma simples funcionária beijando as faces de uma das doentes. O que ela tem? Será uma conquista ou será um dom? - pensava Rebeca. A funcionária era quase igual aos doentes. Apenas um ponto a mais que eles. Neste ponto estavam incluídos: o uniforme, o crachá, o prontuário no braço, o andar de um lado para o outro, o jeito descontraído na voz que chama. No resto era tão isenta dela quanto os doentes que ali estavam. 
    - Veja dona Rebeca, um homem algemado e escoltado! Rebeca surpreendeu-se com a voz da criada, pois até dessa ela havia se separado.
    A empregada insistiu:
    - Viu dona Rebeca?
    - Como pode - respondeu Rebeca - eles aí à minha frente e eu não os vi antes!
    O preso escoltado não era um homem comum. Havia algo nele que o diferenciava dos demais. Era um homem bonito, também havia em seus olhos uma luminosidade que só se encontra nos olhos dos homens de inteligência superior.
    Rebeca sentia-se irrequieta. Pensava: qual crime teria praticado?... Trazia em si uma tranquilidade que chegava a aflorar a pele. Tinha as mãos finas e rosadas. Aquele lugar não lhe parecia ser uma violação dos direitos: ele passava uma idéia de que há muito conhecia tudo aquilo ali, principalmente na sua essência interna.
    Rebeca percebera que estar ali de maneira alguma o fazia sentir-se violentado.
     No entanto, havia uma razão intrigante não a de ali estar, mas a de estar algemado, na condição de preso.
    De repente, Rebeca se surpreendeu, uma área específica em sua mente fora despertada e, uma lembrança veio à tona; recordou-se de ter visto aquele rosto numa revista de grande circulação. Porém faltava-lhe clareza sobre o artigo que lera.   Procurava com grande esforço trazer a mente o assunto que emoldurava aquele rosto.
    Ela tinha o pensamento distante quando o policial num gesto de suma autoridade conduziu aquele homem que não lhe era totalmente desconhecido para a sala de atendimento. Levantou-se e dirigiu até à porta de saída, olhou para as flores do jardim em seguida para o céu. De súbito sorriu aliviada. Recordara o texto que lera na revista e compreendeu o motivo pelo qual aquele homem estava preso: Ele era um cientista e havia descoberto a cura para a AIDS.
    Neste momento, ela ouvira.
     - Elisa Maria de Brito.
    - Dona Rebeca, estão me chamando.
    - Então vamos, respondeu a patroa aliviada.



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