Gosto do meu quarto
tão pequeno, tão sereno,
onde durmo meu sono farto.
Gosto do meu quarto, mesmo quando,
num sobressalto, ao raiar do dia,
o despertador acaba com sonhos e
fantasias,
me traz de volta para a vida, para
a lida...
Gosto do meu quarto, mesmo quando
pego a sacola,
olho para ele desarrumado e, como
numa despedida,
fecho a porta: “ - Até a noite,
depois da escola”.
Gosto da minha casinha
tão despida, tão querida,
onde comemos o feijão e a farinha.
Gosto da minha casa, mesmo quando
a mãe xinga: Não vai dar conta das horas!
Corre de cá para lá como tocada a
esporas,
A arrumar, cozinhar, lavar para
fora, coitada!
Gosto da minha casa, mesmo quando,
tão cedo,
já não vejo nem pai, nem irmãos,
que, na calada,
saíram de madrugada para a fábrica
de brinquedo.
Gosto da minha rua
tão estreita, tão direita,
terra nua, poças onde se reflete a
lua.
Gosto da minha rua, mesmo quando,
saindo, já não vejo meu namorado,
aquele amado que mora do outro
lado:
“ - Só na hora do almoço vou rever meu moço!”
Gosto da minha rua, mesmo quando
num alvoroço,
vejo a meninada ir para a aula:
roupas descoradas,
cadernos nos plásticos, sapatos
furados.
Gosto da minha cidade
tão barulhenta, tão fumacenta,
de fábricas velocidade, vidas sem
igualdade.
Gosto da minha cidade, mesmo
quando
no trânsito se arrisca a vida,
atravessando avenidas em loucas
investidas:
carros de déu em déu, como se
vivessem ao léu!
Gosto da minha cidade quando chego
ao trabalho,
onde prédios parecem cutucar a
barriga do céu,
como a perguntar: “Ei, Deus! Somos espantalhos?
Gosto do meu Estado
Tão laborioso, tão generoso,
de plantações, do lavrador
devotado.
Gosto do meu Estado, mesmo quando
sei dos retirantes vindos de
nortes rincões,
passando fome e frio em cima dos
caminhões,
aqui não encontrando alívio para
sua arena.
Gosto do meu Estado quando, na
escola,
Vejo seu mapa pontilhado de
cidades. Com pena,
penso: “E o abandonado a pedir esmola?”
Gosto do meu País
tão colorido, mas empobrecido,
fingindo ser feliz, quanta
cicatriz!
Gosto do meu País, mesmo porque é
um forte!
Tem porte, a tudo resiste este
chão dadivoso.
Se chove pouco no Nordeste, muito
no Sul formoso,
teria reparo, fosse seu governo
menos ambicioso.
Gosto do meu País, porque, desde
sua colonização,
dá ouro, café, cana, ferro,
algodão, prodigioso!
Mas com tal ganância! A culpa não
é dele, não!
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