O dia-a-dia de uma moça pobre- Lucília Junqueira de Almeida Prado


Gosto do meu quarto
tão pequeno, tão sereno,
onde durmo meu sono farto.
Gosto do meu quarto, mesmo quando,
num sobressalto, ao raiar do dia,
o despertador acaba com sonhos e fantasias,
me traz de volta para a vida, para a lida...
Gosto do meu quarto, mesmo quando pego a sacola,
olho para ele desarrumado e, como numa despedida,
fecho a porta: “ - Até a noite, depois da escola”.

Gosto da minha casinha
tão despida, tão querida,
onde comemos o feijão e a farinha.
Gosto da minha casa, mesmo quando
a mãe xinga: Não vai dar conta das horas!
Corre de cá para lá como tocada a esporas,
A arrumar, cozinhar, lavar para fora, coitada!
Gosto da minha casa, mesmo quando, tão cedo,
já não vejo nem pai, nem irmãos, que, na calada,
saíram de madrugada para a fábrica de brinquedo.

Gosto da minha rua
tão estreita, tão direita,
terra nua, poças onde se reflete a lua.
Gosto da minha rua, mesmo quando,
saindo, já não vejo meu namorado,
aquele amado que mora do outro lado:
“ - Só na hora do almoço vou rever meu moço!”
Gosto da minha rua, mesmo quando num alvoroço,
vejo a meninada ir para a aula: roupas descoradas,
cadernos nos plásticos, sapatos furados.

Gosto da minha cidade
tão barulhenta, tão fumacenta,
de fábricas velocidade, vidas sem igualdade.
Gosto da minha cidade, mesmo quando
no trânsito se arrisca a vida,
atravessando avenidas em loucas investidas:
carros de déu em déu, como se vivessem ao léu!
Gosto da minha cidade quando chego ao trabalho,
onde prédios parecem cutucar a barriga do céu,
como a perguntar: “Ei, Deus! Somos espantalhos?

Gosto do meu Estado
Tão laborioso, tão generoso,
de plantações, do lavrador devotado.
Gosto do meu Estado, mesmo quando
sei dos retirantes vindos de nortes rincões,
passando fome e frio em cima dos caminhões,
aqui não encontrando alívio para sua arena.
Gosto do meu Estado quando, na escola,
Vejo seu mapa pontilhado de cidades. Com pena,
penso: “E o abandonado a pedir esmola?”

Gosto do meu País
tão colorido, mas empobrecido,
fingindo ser feliz, quanta cicatriz!
Gosto do meu País, mesmo porque é um forte!
Tem porte, a tudo resiste este chão dadivoso.
Se chove pouco no Nordeste, muito no Sul formoso,
teria reparo, fosse seu governo menos ambicioso.
Gosto do meu País, porque, desde sua colonização,
dá ouro, café, cana, ferro, algodão, prodigioso!

Mas com tal ganância! A culpa não é dele, não!




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