Tarde no futebol -Dumara Piantino Jacintho



             Ela sorria radiante, um bom filme estava em exibição e o fato mais importante: o marido iria com ela, como nos velhos tempos de namoro. Passou o dia preparando-se: foi ao cabeleireiro, esmaltou as unhas, comprou uma blusa nova, de última hora, por que não? Fez uma maquiagem diferente, mais atraente, olhou-se no espelho e gostou do que viu. O olhar estava radiante pois sentia-se muito feliz.
           No horário habitual, ouviu o barulho da chave na porta e foi correndo ao encontro do marido. Este, mal disfarçando a surpresa, abraçou-a e depois de rasgados elogios, entregou-lhe timidamente dois ingressos. Ela, já desconfiada, sexto sentido aguçado, olhou para o que tinha nas mãos, surpreendeu-se e ficou extremamente decepcionada ao ver serem ingressos  para  um jogo de  futebol.
           - Nós não íamos ao cinema? Eu me embonequei toda para ir ao campo de futebol? Por acaso, eu sequer gosto deste esporte tolo e violento? Que graça existe em vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola?
           - Não pude evitar, disse o marido muito sem graça, ganhei os ingressos do patrão que não pode ir e me encarregou de torcer por ele.  Desculpa esfarrapada!...
           Como num passe de mágica, o sorriso dela desapareceu. Muito a contragosto, trancou-se no quarto e tirando toda a roupa elegante que jogou com raiva em cima da cama, preparou-se para um programa de "índio": ir ao futebol, desânimo total. Pensou até em não ir.
           Trocou a blusa nova por uma camiseta, a saia por uma calça "jeans" bem surrada e completou a indumentária com um tênis confortável, para enfrentar as horas em que ficaria de pé.
            Já no carro, vendo o marido tão aborrecido, procurou disfarçar a sua decepção e preparou-se para enfrentar o trânsito congestionado, a fila na entrada, o empurra-empurra, a revista da policial, a procura do lugar para sentarem.
           O alarido no campo era intenso. Cada torcida gritava mais que a outra. Aborrecida, preferiria estar no cinema, ar condicionado, um grande saco de pipocas, entre pessoas equilibradas e educadas  e não entre um bando de "malucos".
           Depois da entrada dos jogadores, das fotos habituais, do hino nacional, dos cumprimentos, e da escolha do lado do campo na moeda, finalmente o juiz apitou o início do jogo. A algazarra piorou.  Chuta. Perna de pau. Dá o drible. Cabeceia. Bateu na trave. Esse goleiro é largo.
           Estava em outro "planeta", pois parecia desconhecer até a linguagem que ali era falada.
           Contrariada, sem outra alternativa, acabou aderindo  prestando atenção maior à platéia que ao jogo, que mal entendia.
           Terminou o primeiro tempo e o 0x0 permanecia no placar. Depois de dois refrigerantes e um saco de pipocas, ela já descontraída, perguntava ao marido algumas regras do  jogo.
           Começou o segundo tempo e ela mais entusiasmada gritava: vamos ver se vocês jogam bola, pernetas  de uma figa, chutem a bola para o gol, o jogo nem começou e já estão cansados?
           Se não pode com eles, junte-se a eles.
           O marido olhava estupefato. O meio do campo estava congestionado. A bola foi chutada para o lado do adversário e um jogador marcou o gol para o time da casa.
           O estádio enlouqueceu. O juiz do meio do campo validou o gol, porém, uma bandeirinha, marcou o impedimento. A bagunça era geral. Os jogadores enlouqueceram. O juiz conversou com a bandeira e anulou o gol. O marcador do gol, xingou o juiz e foi expulso. Outro jogador empurrou o juiz que caiu no chão.  Sem que ninguém visse, alguém o chutou em suas partes baixas e este ficou gritando de dor.
           A polícia foi acionada e correu para o meio do campo. Com o cassetete e um escudo nas mãos, o policial, gordinho e, com o uniforme alguns números menor, tropeçou na grama e esparramou-se, para a delícia da platéia. Os companheiros correndo atrás, caíram sobre ele.
           A platéia delirava. O médico, o massagista e a maca, corriam logo atrás dos policiais.   O juiz se contorcia em dores. Para completar, a bandeirinha foi tirar satisfações com ele e os dois discutiram. A polícia interveio e o juiz foi  levado para fora do campo e substituído por outro que deu  andamento ao jogo.
           Enquanto isso, a platéia gritava e xingava, fazia troças com os policiais trapalhões. Quando percebeu, também gritava a plenos pulmões, endoidecida, puxando o braço do marido. Nem viu que ele estava assustadíssimo.
           De repente, em meio aos objetos atirados pelos torcedores, um tênis que vinha como um jato, aterrissou na nuca do cidadão ao seu lado, que caiu desmaiado. Ele foi retirado do campo por amigos e por policiais e colocado numa ambulância.  Saberia do seu estado de saúde pelos noticiários da televisão no dia seguinte.
           O jogo estava no fim. Terminou empatado e os torcedores inconformados, saíram ainda xingando os familiares de todos, principalmente a mãe do juiz, pobre coitada...
           No calor do entusiasmo, perguntou ao marido quando haveria outro jogo, pois há tempos  não se divertia tanto.
           Ainda, em estado de choque, o marido mal conseguiu balbuciar:  querida, em outra ocasião iremos ao cinema, onde ficaremos a sós, quietinhos e poderemos “namorar“ no escurinho.


9a. Antologia Ponto & Vírgula - Pág. 34 













Comentários