Um raio de esperança- Arlete Trentini dos Santos


                Ano de 1983, mês de julho, e a cidade estava se preparando para grande festa do padroeiro São Pedro.
                O bispo Dom Quirino Adolfo Schmitz,  que era filho da terra, mas estava agora em Minas Gerais, na cidade de Teófilo Otoni, viera a convite da paróquia para as celebrações.
                Nossa igreja estava em reforma, receberia  uma nova pintura em seu interior.
                As chuvas começaram...
                Primeiro um pouco tímidas, depois com força total. Nós morávamos num local que nunca tinha sido atingido pelas águas de uma enchente. Estávamos tranquilos.  Mas as notícias começavam a nos assustar.
                Os mais antigos falavam da grande enchente de 1911, e também havia rumores que poderia acontecer o rompimento de uma barragem. E assim decidimos ir a um lugar seguro, o mais seguro que conhecíamos.
                Fomos para o alto do morro da nossa igreja. Ficamos alojados no salão de catequese. Nós e outras famílias.
                As águas foram subindo, subindo... Quase tudo em Gaspar estava submerso. A cidade parecia um mar, um mar de águas barrentas. A força das águas fazia um barulho assustador quando passavam pela ponte. Helicópteros paravam no pátio da igreja e traziam alimentos. Nós éramos os desabrigados, os sem teto, sem pão, sem roupas para trocar, sem lugar para tomar banho.
                Na igreja, buscávamos a força. O bispo era um dos que arrebanhava o povo todos os dias para oração. Ele falava em esperança, fé, força e rezava. Nós acompanhávamos tudo.
                Depois de uma semanada inteira de chuvas, numa tarde, durante as orações, um raio de sol encontrou uma brecha por entre as nuvens e iluminou o altar. Os vitrais da igreja refletiam  aquela luz colorida e a nossa fé neste momento se avivou. Lágrimas de emoção tomaram conta de todos nós.
                Nosso povo unido em oração era mais forte.
                Devagar as chuvas foram se acalmando. As águas começaram a baixar. Era hora de voltar para nossas casas, ou para o que sobrou delas. 
                Lama e destruição, o choro era inevitável... Mas era preciso arregaçar as mangas e começar a limpar.
                Só quem passa por uma enchente pode entender. Nós mesmos, antes disso, víamos casas alagadas, mas não tínhamos ideia realmente do que acontecia. Sentir na pele é outra coisa.

                Pouco sobrou de bens materiais, mas espiritualmente estávamos mais forte.



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