Voo num vôo- Antonio Carlos Tórtoro


No meio da sentença
um abrupto abismo.
Falta uma ponte,
falta uma palavra densa
no limbo do literal  universo.
A correta, justa e perfeita.
A apropriada para a ocasião.
A que fará ousado o verso.

Atiro-me no espaço aberto,
em meio à  bruma densa
que envolve o reino das palavras.
Mergulho em vôo cego.
A palavra não vem,
Descansa em seu ninho.
Não encontro a chave
que libertará minha frase,
franqueando meu caminho.

Vôo livre e alto.
Respiro a liberdade.
Sobrevôo dicionários mentais,
procurando reler em memória
fragmentos de clássicos.
Em vão.
O coração dispara.
A boca  é seca: o  verbo, entalado.
A adrenalina encharca as mãos,
e os dedos pairam ansiosos
sobre o teclado.
Tento um voo  rasante,
— assim mesmo, sem circunflexo:
um voo pobre, truculento, rasteiro.
E encontro uma palavra qualquer.
Mas ela ainda não me serve.
Quero uma ponte popular ou  erudita.
Quero uma palavra impregnada de magia,
que me leve por instantes a  Machado,
Bandeira ou Drummond,
não importando  se  escrita
segundo a  nova, ou velha ortografia.




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