Antonio Ventura



A balada do rei e o menino

As noites do rei estão repletas de mortos
em valas fundas e coletivas
no negro frio da noite, da floresta.
Eu não, eu pássaro, eu menino.
Os dias do rei são de espertezas, traições,
ciladas, facas traiçoeiras, de repente.
O sangue ao sabor de simples vento.
O sangue do homem vampiro
escorrendo do pescoço da vítima desavisada.
Eu não, eu pássaro, eu menino.
Nas noites do rei não só o horror da morte
mas da carnificina, povoam seus sonhos,
sua consciência e não encontra vento
nem ar, na densa floresta de abutres.


Eu não, eu pássaro, eu menino.
Mas o rei dorme feliz, porque ele é o rei,
é a faca que sangra, o tiro certeiro
na pureza de Maria, no seio de Maria,
e nos filhos sem pais e sem Maria.
Eu não, eu pássaro, eu menino.
Deixe que o rei manche de sangue sua espada
mate as criancinhas e as crianças e os meninos.
Usurpe da coroa nem de prata mas de lata.
Deixe que o rei deite em leito com seus fantasmas
deixe que o rei durma com seus mortos
pois morto, morto, um dia será o rei posto.
Eu não, eu pássaro, eu menino.
(in “O Catador de Palavras”)

***

A praia inacessível

A praia é quase inacessível.
Não impossível.
Eu quero ir pro mar, lá longe
e morar na praia inacessível
com areias brancas de espumas.
Mas é sério. Quero morar na praia
limpa, de sol e de areia branca.
Olá, guardador de rebanhos,
onde fica mesmo o mar
de areias brancas?
Ah, estou ilhado nesta ilha
que não é a ilha de areia branca.
Não, não é. Nesta ilha onde estou
todo voo tem limite
e o limite é uma gaiola
de pássaros regionais
que cantam num quintal do nada.
Não, não, eu quero é a praia inacessível
sem gaiolas, sem limites,
sem pássaros regionais,
eu quero a praia inacessível
possivelmente tocável
de areias brancas como o ar.

(in “O Catador de Palavras”)



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