Débora Soares Perucello Ventura



Dom Quixote

Um cavaleiro andante
um dia me disse
que enfrentara gigantes e nigromantes,
que a coragem era seu escudo
e o encanto se vestia em tudo.
Esse cavaleiro andante
um dia me disse
que a vida era uma aventura
de tal modo inconseqüente
que a vitória não passava
de um nome bonito.
Um dia acreditei
nesse cavaleiro andante
montado em seu cavalo
e entrei em aventuras
como nunca antes.
Escrevi poemas,
desmanchei espumas do mar
com as mãos,
lutei com o vento,
mudei a cor do céu,
enfrentei Cervantes
e venci suas páginas.
Um dia acreditei
que tudo era encantado.


***

Autorretrato

Débora Soares Perucello Ventura
No porta-retrato a fotografia morta.
A boca não fala, cala.
Os olhos procuram a luz da câmera fotográfica.
Fora dos limites da moldura, a boca fala, aqui fora.
Os olhos ensandecidos procuram pela luz do dia,
o corpo todo entregue à sorte,
na geometria do espaço.
Trago a fêmea que me cabe
na parte central do corpo.
Como uma ninfa que nada mais queria
do que andar pelas florestas
com a boca molhada de orvalho e fartos cabelos ao vento.
A cidade me atordoa.
Carrego nos ombros o peso de Atlas,
mesmo assim não fugirei
nem me transformarei em pedra.
Guardo minha essência humana.
Agora, não vou falar dos jardins com frutos dourados
e suas maçãs de ouro.
Falarei da foto em cima do móvel, imóvel.
Eu a olhar dentro e fora,
fora e dentro do instante passado.
Mesmos olhos, os meus.



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