(fantasia literária)
“
Éramos três em torno da mesa...” Assim começa um belo poema de Olegário
Mariano, Boêmia Triste, mas, nesta história, eram quatro em torno da
mesa no snack bar do Largo do Rossio, em Lisboa, todas as tardes:
Fernando
Pessoa, esotérico, correspondente estrangeiro e tradutor; morava com uma tia.
Ricardo Reis, médico, que se cansara do exílio voluntário no Brasil,
voltara para Portugal e vivia com Lídia.
Álvaro de Campos, engenheiro, “bon vivant”, morava sozinho num apartamento
sempre movimentado e visitado por belas mulheres.
Alberto Caeiro, que vivia numa quinta e vinha às vezes à Capital
encontrar-se com os três;outras vezes eles o visitavam na aldeia onde havia o
rio mais belo que o Tejo.
O
assunto era, obviamente, poesia. Numa tarde em que estavam os quatro reunidos,
apareceu o pintor Almada Negreiros, dizendo que queria pintar o Fernando ali
mesmo na mesa, com a revista Orpheu.
Fernando disse que estavam vendo qual dos quatro tinha feito a comparação mais
bonita em seus poemas e foi ótimo o Almada ter chegado, pois ele é que iria
decidir.
Fernando
leu a sua: “ A vida é como uma sombra que passa por um rio.”
Caeiro falou: “ E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.”
Em
seguida Álvaro:”Um pavor terno e líquido encostado às esquinas como um
mendigo.”
E por fim o Reis:” Tênue, como se de Eolo a
esquecessem, a brisa manhã titila o campo.”
Almada
pediu que escrevessem. Leu, releu, ficou pensativo e depois também escreveu
alguma coisa e disse:” Esta é a melhor comparação: Enquanto a vida,como
uma sombra que passa por um rio,um grande silêncio, como um deus que dorme lá
fora, acorda um pavor terno e líquido encostado às esquinas como um
mendigo...mas, como se de Eolo a esquecessem, brisa da manhã titila o campo.”
Os
quatro se entreolharam e começaram a rir.
-Vocês todos são ótimos, eu não poderia escolher um e deixar os outros; e
também aqueles seus parentes que vêm de vez em quando, o Bernardo Soares, o
Barão de Teive, o Rafael Bandaia e os outros.São todos muito bons mesmo e eu me
orgulho de ser amigo de vocês.
O
grande pintor José de Almada Negreiros, entretanto, pintou apenas o Fernando
Pessoa sentado à mesa predileta, com a xícara de café e a revista Orpheu;
posteriormente, um escultor fixou na calçada a cena famosa e hoje ,quem for à
Lisboa, pode tirar um retrato sentado ao lado do Poeta.
(do livro Bazar Literário)
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