O vento soprava leve naquela madrugada de maio. O mar dançava
calmamente e jogava a espuma branca até a praia deserta trazendo os riscos
esbranquiçados longínquos do horizonte, e o azul fundia-se na cor cinza do céu.
O sol se escondia por trás de uma grande nuvem pesada e sem forma definida, não
deixava passar seus raios luminosos, parecia não ter forças, naquela manhã,
para abrir a sua eterna porta do céu.
Na praia ninguém estava observando tão rara beleza. Ela sozinha, uma mulher,
caminhava lentamente afundando com doçura os pés na areia gelada e úmida na
subida da praia, no rastro da alta maré da noite anterior de lua cheia. O mar
tinha-se retirado aos poucos. Envolvida no silêncio, somente o ninar das ondas
que vinham e voltavam faziam-na sentir-se leve como pluma. Uma alegria
diferente das outras manhãs rotineiras apoderava-se dela. Aproximava-se aos
poucos do mar, pensativa, serena, curtindo este mágico momento da madrugada;
encantava-se com sua imensidão. As palmeiras mexiam seus galhos escondendo a
última estrela no céu.
Ela
acordara bem cedo, a despeito das amigas que dormiam até tarde. Desde criança
ela fora acostumada a despertar cedo, pois criada na roça, aprendeu que
assim o dia rendia mais e nas horas mais quentes podia-se descansar. Esse
costume ficou enraizado nela, até quando foi trabalhar e estudar na cidade.
Ah, o mar! Ele era seu fascínio, sua delícia, amava-o de coração apesar de
tê-lo conhecido tarde, na idade adulta, quando as condições econômicas lhe permitiram
viajar.
Agora, um passo
depois do outro, nessas lembranças, nem se deu conta já estar tão
perto, pisando na areia ainda mais molhada. Seus pés deixavam pegadas
profundas e também suas histórias de vida afundaram com elas, somente o mar as
podia escutar. Ele escutava cantando, no mesmo ritmo a mesma melodia, e ela
falava sempre mais alto com sua voz grave, suas palavras tornaram-se lindas
canções.
Uma mulher
sozinha com o rosto enrugado pelas intempéries da vida, as mãos calejadas pelo
trabalho pesado, mas com o coração doce de menina. Deixara, finalmente, naquela
madrugada, o fardo pesado de sua vida nas águas do mar.
Com coragem
imensa, dirigiu-se ao seu amado com os braços abertos na onda mais alta que
vinha ao seu encontro para beijá-la e abraçá-la.
Em seu lugar
surgira das águas uma linda sereia que flutuava e sumia nas ondas, cantando
junto com o mar a mesma melodia.
O sol
finalmente brilhou e iluminou seu rosto, e ela se deixou beijar e levar sempre
mais longe, mais longe, ninguém ouvira mais seus cantos melodiosos.
Na praia dourada, ficaram as suas pegadas profundas que, devagar o mar
levaria para ninguém jamais encontrar.
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