Minha Tia- Tereza Aparecida Farah Nazário



    Sempre tive prazer em passar as férias com meus tios e primos. Eles moravam numa casa bem grande, com quintal, numa pequena cidade - Paraíso. A casa era a mais antiga do lugar. Precisava de uma reforma, tinha rachadura, umidade nas paredes e o assoalho rangia. Minha tia Helena trabalhava bastante para manter tudo limpo. Seus filhos eram arteiros, faziam muita bagunça, mesmo assim ela não gritava com eles.
    - Por que sua mãe não veio com você? Gosto tanto dela, era minha confidente na adolescência. Depois dos bailes, conversávamos muito: as roupas das moças, os rapazes, o salão, o conjunto. As noites nos encantavam com as luzes, a magia daqueles momentos. Uma vez contrataram uma orquestra para o baile. Era aniversário da cidade, fazia cem anos, foram três dias de festa. Que alegria poder dançar ao som de bons músicos! Inesquecível aquela noite, pois conheci seu tio.
    - Eu também gosto de música, de dançar, respondi. Minha mãe não dançou mais, depois de casada. Meu pai comprou um bar, ela levanta às cinco horas para abrir o bar. Faz o café, esquenta o leite, recebe o pão fresquinho e passa manteiga para os fregueses. Agora com os filhos, a vida ficou bem mais difícil para os dois.
    Minha tia ficou calada. Percebi que suas mãos tremiam, suava bastante, toquei-a: estava fria. Continuei falando, pensando em distraí-la. O tio chegou para o almoço e o assunto morreu.
    Durante a refeição, pude observar melhor o meu tio João: cabisbaixo, calado. Estranhei. Não estava se alimentando bem, mal tocava na comida. Normalmente, gostava de conversar, contar as novidades do lugar, dos parentes, dos amigos.
    A minha viagem não era motivo de preocupação para minha mãe. Ela sabia que minha tia cuidava bem de mim. Só não me deixava ficar muitos dias para não sobrecarregar minha tia que já andava pela casa com dificuldade para dar conta dos afazeres domésticos. Tentei ajudá-la. Dizia que eu era criança e só atrapalhava.
    Um dia, estávamos brincando no quintal e ouvimos um barulho no quarto da tia Helena. Corremos para lá. Assustados, não sabíamos o que estava acontecendo. A porta do quarto, trancada; tentamos forçá-la, em vão. No quarto, agora um silêncio sepulcral. Os meninos mais novos começaram a gritar o nome da mãe. Pânico geral. O mais velho saiu correndo para buscar o pai que possuía uma quitanda, perto da casa.
    Quando ele chegou, seu semblante era preocupante; tirou do bolso o chaveiro e abriu a porta. Impossível avaliar a tristeza causada pela cena:  minha tia, estatelada no chão, com uma gosma amarela saindo de sua boca. Tio João tentou reanimá-la: sentou no chão, colocou a cabeça dela no colo, esfregou álcool na testa, nas narinas.
    Lembrou-se de seus filhos mais novos na porta do quarto, presenciando tudo , chorando e chamando a mãe. Pegou um travesseiro, deitou nele a cabeça da minha tia, implorou para que todos saíssem do quarto e trancou a porta.
    Depois de alguns minutos, chegou o médico do Pronto Socorro. Tio João antes de vir para casa, telefonou para o pronto atendimento. Suspeitava que  havia algo errado com a esposa.
    Na véspera daquele dia fatídico, tia Helena comprara veneno. O marido achou estranho. Ela disfarçou, não deu importância para a preocupação dele. Simplesmente respondeu que havia um rato em casa.
A ambulância chegou, minha tia foi levada para a emergência. Infelizmente, não conseguiram salvá-la.



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