Eu
ia pelos corredores escuros e frios. Era o chamado dele, do Mestre. Queria me
ver; mais do que isto. Eu sabia que desejava meu corpo, uma conta velha a acertar.
Tentava cobrir os seios e as pernas nuas, com os panos de vestido preto, mas
ele estava em tiras. Era a preparação para a entrega.
Já
haviam me lavado com ervas perfumadas, azeite de amên-doas e soltado meus
cabelos, que se espalharam pelos ombros. O coração apertado, um pouco de medo,
sexo pulsando. Estranhos sentimentos misturados, excitação e a sensação de que
o evitado, porém fatídico, iria acontecer.
Parei
em uma das aberturas retangulares do Castelo. Lá em baixo, o fosso negro,
monstros escuros deslizando na água densa.
Estaquei
diante da porta maciça, quadrada, um grande xis de ferro sobre o carvalho
secular. As duas partes se abriram e pude vê-lo.
Os
olhos sinistros, brilhantes, a túnica escura, os braços esquá-lidos. Tinha um
sorriso diabólico nos lábios e chamou-me com um aceno, mostrando a grande cama
larga. Fincada no chão, eu tinha chumbo nos pés. Sensações confusas, desejos
contraditórios, sentindo medo e atração. De repente, grades desceram de todos
os lados do cômodo. Não houve pavor. Era apenas temor do desconhecido, da
iniciação inevitável. Ele era o Senhor das Sombras, do meu inconsciente, dos
meus sentimentos mais íntimos, o EU que eu evitava, mas teria de enfrentar.
Há
uma hora fatal, quando as fugas não são mais possíveis.
Dirijo-me
para a cama, devagar, mas firme, enquanto ele abre os braços e me chama. Minhas
carnes são uma convulsão viva de desejo e de fogo, atração e desatino, tensão e
gozo, enquanto caminho para o encontro inexorável...
Ele
me envolve e ri, ri muito, mostrando os lábios úmidos e a boca, que é uma
caverna sombria.
Fecho
os olhos e, trêmula, entrego-me com a volúpia do mergulho nos grandes abismos.
(*)
Conto do livro A Senhora das Sombras, Funpec Editora, Segunda Edição, 2014.
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