Ely Vieitez Lisboa- O Mestre

Eu ia pelos corredores escuros e frios. Era o chamado dele, do Mestre. Queria me ver; mais do que isto. Eu sabia que desejava meu corpo, uma conta velha a acertar. Tentava cobrir os seios e as pernas nuas, com os panos de vestido preto, mas ele estava em tiras. Era a preparação para a entrega.
Já haviam me lavado com ervas perfumadas, azeite de amên-doas e soltado meus cabelos, que se espalharam pelos ombros. O coração apertado, um pouco de medo, sexo pulsando. Estranhos sentimentos misturados, excitação e a sensação de que o evitado, porém fatídico, iria acontecer.
Parei em uma das aberturas retangulares do Castelo. Lá em baixo, o fosso negro, monstros escuros deslizando na água densa.
Estaquei diante da porta maciça, quadrada, um grande xis de ferro sobre o carvalho secular. As duas partes se abriram e pude vê-lo.
Os olhos sinistros, brilhantes, a túnica escura, os braços esquá-lidos. Tinha um sorriso diabólico nos lábios e chamou-me com um aceno, mostrando a grande cama larga. Fincada no chão, eu tinha chumbo nos pés. Sensações confusas, desejos contraditórios, sentindo medo e atração. De repente, grades desceram de todos os lados do cômodo. Não houve pavor. Era apenas temor do desconhecido, da iniciação inevitável. Ele era o Senhor das Sombras, do meu inconsciente, dos meus sentimentos mais íntimos, o EU que eu evitava, mas teria de enfrentar.
Há uma hora fatal, quando as fugas não são mais possíveis.
Dirijo-me para a cama, devagar, mas firme, enquanto ele abre os braços e me chama. Minhas carnes são uma convulsão viva de desejo e de fogo, atração e desatino, tensão e gozo, enquanto caminho para o encontro inexorável...
Ele me envolve e ri, ri muito, mostrando os lábios úmidos e a boca, que é uma caverna sombria.
Fecho os olhos e, trêmula, entrego-me com a volúpia do mergulho nos grandes abismos.

(*) Conto do livro A Senhora das Sombras, Funpec Editora, Segunda Edição, 2014.







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