Gilson Rollemberg- A Chegada de Lampião e Maria Bonita na Cidade de Arauá & O Encontro com Dona Mocinha




“Guardo na memória os momentos vividos na Fazenda Campo da Onça, onde nasci e morei até meus oito anos”.
“Da árvore da poesia popular nasceu uma das ramificações artísticas, o Cordel. Originada de relatos orais e depois impressa em folhetos, a Literatura de Cordel, com sua forma rimada e cadenciada, tem o dom de encantar o público com uma linguagem popular, contando, declamando e cantando, suas histórias, seus poemas e suas cantigas.”


Rollemberg, Gilson

 (Narrado por Maria Bonita)

Maria Bonita– Eu sou mulher do cangaço
E agora vou narrar
Um fato que aconteceu
Na cidade de Arauá
Com Lampião ao meu lado
Fiz a cidade parar
Maria Bonita– Era manhã de domingo
Quando Lampião chegou
E invadiu a cidade
A todos comunicou

Lampião – Agora quem manda sou eu
Não há prefeito nem doutor
Lampião – Vou ficar nessa cidade
Até a noite chegar
Vou fazer muito barulho
Nem o diabo vai duvidar
Não quero sobrevivente
Pra história não contar
Maria Bonita– Ao andar pela cidade
Lembrei que aqui morava
Uma amiga de infância
Que de cangaço eu e ela brincava
Quis saber da sua história
E a Lampião contava
Maria Bonita– Mocinha desde criança
Brincava de assombração
Certo dia se vestiu de besta-fera
Saiu com uma foice na mão
Fez muita gente correr
Dizendo ser mulher do cão (diabo)
Maria Bonita– Mas com essa brincadeira
Ela então quase morreu
Um cabra que ali estava
Seu bacamarte ergueu
O outro gritou não mate!
É filha de um amigo meu.
Amigo– Filha de Zuza e Genéria
Veja só, essa é Mocinha!
Meu Deus! Quase foi morta!
Tentando fazer gracinha
Vou contar tudo a seus pais
Pra você entrar na linha
Maria Bonita– Mocinha, assim conhecida
Em sua comunidade
Fiquei sabendo que ainda
Morava nessa cidade
Pesquisei sua história
E toda sua verdade
Maria Bonita–Dona Mocinha era casada
Com o Seu Zé de Mimim
Cabra macho e tranquilo
Conhecido bem assim
Por toda a comunidade
Filho do velho Mimim
Maria Bonita– Zé de Mimim, o marido
Era um cabra de valor
Moço honesto e querido
E muito trabalhador
Mas com um vício danado
De vaqueiro trocador
Maria Bonita– Trocava tudo que era dele
E o que não era também
Certa vez trocou uma vaca
Pelo um rádio, vejam bem!
De volta levou um galo
E no bolso alguns vinténs
Maria Bonita–O bolso estava furado
O dinheiro então sumiu
A mula levou um susto
Deu um pulo e o rádio caiu
Restando apenas o galo
A viagem ele seguiu
Maria Bonita– Ao chegar à sua casa
Dona Mocinha perguntou:
Dona Mocinha– O que fazia no pasto?
Maria Bonita– Ele então tudo contou
Ela com raiva da troca
O galo na panela jogou
Maria Bonita– E seu Zé apavorado...
Seu zé – Meu Deus! Olha o que você fez
O galo era a única coisa
Que sobrou daquela reis
Pois o rádio no chãocaiu
Ese partiuem três
Maria Bonita– Certo dia Dona Mocinha
Ao aparecer na janela
Avistou Zé de Mimim
Trocando o cavalo dela
Pôs a cela no Reluzente
E partiu bem na banguela
Cabra trocador – Vem ali Dona Mocinha
Montada no Reluzente
Dona Mocinha– Parte daqui cabra safado
Siga seu rumo demente
Vai embora sem meu cavalo
Senão lhe quebro um dente
Maria Bonita– E Lampião sabendo disso...

Lampião –Ôxente, que mulher valente!
Quero ela no meu bando
Pra poder seguir em frente
Com Mocinha e Maria Bonita
Vamos ser polivalente
Lampião – Me diga Maria Déia
Adonde mora Dona Mocinha
Essa já sei que é braba
Sinto já que é das minhas
Vou contratar pro meu bando
Pra ser então a madrinha
Maria Bonita– Ouvi dizer que ela mora
Na Fazenda Campo da Onça
É uma mulher valente
Não há nada que amansa
De certo o nome da fazenda
Não originou da onça
Maria Bonita– Lampião ao ver Mocinha...

Lampião – Mas que coisa, eu não acredito!
Uma mulher desse porte
Fazer tanto rebuliço
Estou pagando pra ver
Se ela é mesmo um corisco
Maria Bonita– Lampião deu bom dia
Mocinha então respondeu:

Mocinha – O que quer cabra da peste
Diga logo o que sucedeu
Jogue seu rifle no chão
Aqui quem manda é eu
Lampião – Ferro na taba do queixo
A mulher que me afrontar
Não sou homem de meia conversa
Veja o que vai falar
Deixa de ser maluvida
Pra não ter que lhe matar
Mocinha– Saiba, sou uma mulher honesta
Não quero meia contigo
Vai cuidar lá do seu bando
Seu mequetrefe atrevido
Ou vai embora daqui
Ou lhe dou um tiro no ouvido
Lampião – Não sou homem de arregar
Ao que ando fazendo
Mas, se essa mulher se enfezar
Minha gente vou dizendo
Vou sair dessa cidade
Com um quente e dois fervendo
Mocinha – Se você não entendeu
Lampião fique sabendo
Não sou mulher de conversa
Nem sou de deixar por menos
Siga logo seu destino
Ou vai acabar morrendo
Lampião– Se é uma mulher de fibra
Dela não vou duvidar
Filha de Genéria e Zuza
Moradores de Arauá
Pensando bem minha gente
Acho melhor me mandar.
Maria Bonita– Lampião se despediu
E saiu cortando o mato
Rumo à Grota deAngicos
Me puxando pelo braço
Fugindo de Dona Mocinha
O temeroso rei do cangaço.



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