Jugurta de Carvalho Lisboa- A visita

     Se a Indesejada das Gentes fosse revelar o caso mais pitoresco que já ocorreu na sua macabra missão, por certo diria: “Foi naquela noite, numa casa bem simples, quando fui usar minha foice numa vítima acometida por forte crise de angina pectoris. Enquanto aguardava a ordem final, pude ver a movimentação de um grupo de amigas em pânico, à procura de uma vela para o ritual de passagem. Como não encontraram nenhuma, saíram apavoradas, cada qual para sua casa, todas vizinhas, à procura deste precioso objeto. Ao me aproximar da moribunda, deparei com uma cena hilariante: aquela figura deitada, de olhos fechados, luz do quarto apagada, lanterna acesa entre os dedos das duas mãos cruzadas sobre o peito, sorriso irreverente. 
     De repente chegaram todas, ofegantes e descontroladas, cada uma com uma vela acesa. Quando entraram no quarto da agonizante, imaginem o espanto diante do que viram. Aquelas moças não sabiam se riam, se choravam, se substituíam a lanterna pela vela, enfim, ficaram atônitas sem saber o que fazer.
     No eterno cumprimento da minha missão, jamais deparei com um caso tão tragicômico como este. Já estava com a foice empunhada para desferir o golpe final, quando senti que a coragem e o senso de humor daquela mulher anularam a força dos meus braços, que ficaram paralisados. Nunca fui de perder viagem, mas pela primeira vez desisti da tarefa e parti para outros encontros fatais”. 
    Afastado o fantasma da Indesejada das Gentes, onde, antes, tudo era tristeza e horror, agora, o sol da vida voltou a brilhar.


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