Maria Izabel Fellippe-Cerdeira- A Festa da Padroeira


Frente ao espelho, prendia os cabelos, enrolando-os para dentro com algumas ramonas, sabendo-os bonitos e fartos, lisos como uma cortina de seda.
Amanhecera o dia convidativo á um passeio, e março que já fechando o verão com as chuvas costumeiras, abria em abril, dias esplendorosos e manhãs amenas.
Frente ao espelho, prendia os cabelos, enrolando-os para dentro com algumas ramonas, sabendo-os bonitos e fartos, lisos como uma cortina de seda.
Beatriche que, em gestos comedidos ao caminhar, despertava nos rapazes do vilarejo, grande admiração e certa inveja das mocinhas menos favorecidas em graça e beleza. Filha de italianos muito bem quistos por todos, de uma impecável reputação, moravam com simplicidade em casa popular, que mesmo muito humilde, era paga as duras penas para o governo.
Seu pai operário de uma fábrica de alumínio, não muito distante dali, em finais de tarde, chegava sempre muito cansado e faminto, para somente banhar-se, jantar e dormir.
A mãe fazia doces para fora, dispondo assim o seu tempo du-rante o dia. Mourejava nas tachadas de doces, que os vendia em potes de vidro, até para as cidades vizinhas, pois era grande o número de pessoas que os encomendava e também fartamente distribuídos nos empórios e mercadinhos.
Beatriche era filha única, já em os seus vinte e dois anos, trabalhava em uma farmácia, há quatro anos, sendo o braço direito do senhor Ladislau, dono do estabelecimento que a estimava até demais, pois era viúvo e nutria pela moça grande sentimento.
Beatriche nas horas ociosas do serviço, meio que debruçada no balcão, distraia-se fazendo palavras cruzadas, enquanto que ensimesmado o senhor Ladislau em devaneios loucos, a observava por muito tempo, pois que ela, curvada deixava a mostra, isenta de malícia, nesgas de suas pernas alvas, posto que o vestido muito justo delineava lhe suas lindas curvas e delgada cintura. A avidez do homem era tanta, que mal conseguia disfarçar a sua querença pela moça.
A farmácia era assaz popular e muito frequentada face as famosas poções medicinais do senhor Ladislau. Ainda que, formado em farmacologia, sua botica se impunha sobre as outras concorrentes, até mesmo as das cidades maiores. E o que o diferenciava dos demais boticários, era o empenho em atendera quem quer que fosse, mesmo que em altas horas da noite, pois que morando em cima do estabelecimento, não negava ajuda a ninguém.
E os dias seguiam-se tranquilos na pacata Catanduva, só o não era a sofreguidão do pobre farmacêutico que ardia em brasas, pela mais linda mocinha dos arredores, que por vezes lembrava um anjo de Murilo, tamanha graça e singeleza.
E aproximando-se o dia da festa de Nossa Senhora, toda mocidade da paróquia N. S. do Rosário, engalanava os últimos preparativos para o grande evento da cidade.
Beatriche, com a permissão de S. Ladislau sai um pouco mais cedo do serviço, para ajudar na igreja, tendo em vista o fato, ela ser uma das diligentes catequistas dominical e também, assídua filha de Maria.
Enfim domingo chegou e a cidade, engalanava, estava em festa desde cedo. O burburinho ecoava pelas ruas, entre os velhos e as crianças, e os jovens empenhados com os preparativos dos quitutes doces e salgados. O domingo prometia ser memorável, com a igreja toda enfeitada de flores brancas de todas as qualidades. A sacristia brilhava de tão limpa, e um bazar fora montado para o comercio de tercinhos, velas, chaveiros e santinhos. Tudo a contento e transcorrendo dentro dos conformes.
A farmácia não abriria, pois que o senhor Ladislau era um cató-lico piedoso e também bastante devoto de N. Senhora. Ele não per-dia por nada a grande festa de todos os anos seguida da missa con-ventual.
Todos os devotos contribuíam, comprando o convite para o almoço beneficente, e os festejos estender-se-iam até a noite, após a celebração da missa.
Todos já apostos para o almoço, Beatriche estava divina, dentro de um vestido longo, todo justo, agarrado, de uma malha fria de cor azul-turquesa, que lhe realçava mais a tez branca e os olhos azuis. Os cabelos soltos e levemente cacheados, davam-lhe a impressão de uma Madona de Rafael.
Por sua vez o senhor Ladislau não tinha olhos para nada, que não fossem na menina Beatriche. Esta, irrequieta, “quicava” aqui e acolá, acudindo a todos, satisfeita pelos bons resultados da festança.
O salão paroquial tão grande, agora mostrava-se pequeno, em face a compacta multidão que lá aguardava o almoço.
Tudo ocorreu dentro do planejado e, já no finalzinho da tarde, algum tempo antes da solene missa que consagraria o festivo evento, formavam-se grupos isolados de fiéis, que conversavam animados, antegozando merecidamente os prazeres da fraternidade.

Em uma das mesas Beatriche ficará só, pensativa por uns instantes, e notando o senhor Ladislau ao longe, que meditativo e com um cigarro nas mãos, caminhava por entre as árvores de uma das alamedas, foi ter com ele. Alcançando-o caminharam juntos percebendo-se em um íntimo e acolhedor ambiente. Tocando-se pelos ombros, Ladislau sentiu o hálito doce da moça tão próximo que, não hesitando, beijo-a sofregamente e com frenesim. Não contestado, abraçou-a tão desejoso e apaixonado que, entre sussurros demorou-se mais ainda em beijos seguidos. Em num misto de indagações e deleite, Beatriche quisera morrer naquele instante, contudo só sabia que também queria beija-lo e beija-lo. E entre sussurros e hálitos, sem pruridos de consciência, sem culpa, sem medo, num in extremis, abandonaram-se na lenda pessoal, que por excelência, cumpre fatalmente os capítulos do destino imposto pela Providência dos Céus.





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