Nely Cyrino de Mello-Pavor

Ninguém quis acompanhá-la ao cinema. Tudo bem, já fazia tudo sozinha mesmo...
O moço da padaria fizera a maior propaganda, espicaçando-lhe a curiosidade: o melhor e mais sinistro filme de terror a que assistira. Corriam boatos de que o morto-vivo perseguia as moças à saída.
Que estultice! Nunca fora supersticiosa; mesmo sendo sexta-feira, noite de lua cheia.Vê lá se tenho medo de lobisomem!
Quando o horizonte engoliu o sol, colocou seu vestido de se-da estampada, desarmou o coque, soltou os cabelos cacheados: quem sabe arrumaria um namorado? Olhou-se no espelho: aos qua-renta anos, aparentava uns trinta.
Desceu a avenida taqueando os saltos nas calçadas; afinal, eram apenas seis quarteirões.
Já escurecera, mas a lua radiosa clareava toda a pequena ci-dade.
O filme era, de fato, terrificante! Cenas fortes e sobressaltos capazes de eriçar até mesmo os pelos pubianos. Deu-se conta de que não era tão corajosa como apregoara.
Terminada a sessão, saiu apressada, buscando o clarão do lu-ar.
Qual o quê! Nuvens negras e espessas embebedaram a lua, que se afogou na escuridão. Pelo menos a praça estava iluminada e resolveu atravessá-la para encurtar o caminho.
Passos rápidos, respiração ofegante, taquicardia. Um maldito raio trincou o espaço, precedendo o estrondo e todas as luzes se apagaram.
Breu. Relâmpagos projetavam galhos retorcidos como braços ameaçadores. E o pior é que não saíam de sua mente os horrores da película.
Quem mandou? Procurou as pernas: cadê? Um pesadelo, como aqueles em que os pés têm chumbo e, da garganta, não sai som.
Como se não bastasse, o céu abriu suas comportas, despe-jando dilúvio.
Encharcada, tateando, agarrou-se a um poste e, a um novo clarão, avistou dois pés enormes atrás de um banco. Lobisomem, vampiro, morto-vivo?
Paralisada pelo terror, ouviu a gargalhada pastosa da apari-ção, que saltou à sua frente, fazendo-a desfalecer.
Antes que o sol da manhã se esparramasse, o jardineiro tro-peçou naquele corpo hirto, colado em sua mortalha de seda estam-pada.
Do outro lado, o fanfarrão, estatelado no cimento, dormindo um sono roncado, garrafa de cachaça apertada contra o peito.
O que o medo não faz!






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