Ninguém
quis acompanhá-la ao cinema. Tudo bem, já fazia tudo sozinha mesmo...
O
moço da padaria fizera a maior propaganda, espicaçando-lhe a curiosidade: o
melhor e mais sinistro filme de terror a que assistira. Corriam boatos de que o
morto-vivo perseguia as moças à saída.
Que
estultice! Nunca fora supersticiosa; mesmo sendo sexta-feira, noite de lua
cheia.Vê lá se tenho medo de lobisomem!
Quando
o horizonte engoliu o sol, colocou seu vestido de se-da estampada, desarmou o
coque, soltou os cabelos cacheados: quem sabe arrumaria um namorado? Olhou-se
no espelho: aos qua-renta anos, aparentava uns trinta.
Desceu
a avenida taqueando os saltos nas calçadas; afinal, eram apenas seis
quarteirões.
Já
escurecera, mas a lua radiosa clareava toda a pequena ci-dade.
O
filme era, de fato, terrificante! Cenas fortes e sobressaltos capazes de eriçar
até mesmo os pelos pubianos. Deu-se conta de que não era tão corajosa como
apregoara.
Terminada
a sessão, saiu apressada, buscando o clarão do lu-ar.
Qual
o quê! Nuvens negras e espessas embebedaram a lua, que se afogou na escuridão.
Pelo menos a praça estava iluminada e resolveu atravessá-la para encurtar o
caminho.
Passos
rápidos, respiração ofegante, taquicardia. Um maldito raio trincou o espaço,
precedendo o estrondo e todas as luzes se apagaram.
Breu.
Relâmpagos projetavam galhos retorcidos como braços ameaçadores. E o pior é que
não saíam de sua mente os horrores da película.
Quem
mandou? Procurou as pernas: cadê? Um pesadelo, como aqueles em que os pés têm
chumbo e, da garganta, não sai som.
Como
se não bastasse, o céu abriu suas comportas, despe-jando dilúvio.
Encharcada,
tateando, agarrou-se a um poste e, a um novo clarão, avistou dois pés enormes
atrás de um banco. Lobisomem, vampiro, morto-vivo?
Paralisada
pelo terror, ouviu a gargalhada pastosa da apari-ção, que saltou à sua frente,
fazendo-a desfalecer.
Antes
que o sol da manhã se esparramasse, o jardineiro tro-peçou naquele corpo hirto,
colado em sua mortalha de seda estam-pada.
Do
outro lado, o fanfarrão, estatelado no cimento, dormindo um sono roncado,
garrafa de cachaça apertada contra o peito.
O
que o medo não faz!
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