Poderia ter dado outro título a este conto, visto que ele não aconteceu em setembro, mas um pouco antes de a primavera bater às nossas portas. Os dias já estavam lindos, o frio, pouco frio que esfriara poucos dias do inverno daquele ano já estava em seus estertores.
Quando setembro vier, dizia um filme já antigo. E ele veio e propiciou o início de um amor que já dura 43 anos. Foi em setembro de 1972 que Bel e eu começamos a namorar, numa viagem a Ouro Preto, aquela mágica cidade, cheia de mistérios, causos nunca revelados, conspirações, traições e poesia, muita poesia. Cenário que Cecília Meireles tão bem descreveu em seu “Romanceiro da Inconfidência”:
“Eis a estrada, eis a ponte, eis a montanha sobre a qual se recorta a igreja branca”.
E foi ali, passando um dia cheio de sol, que nosso amor nas-ceu. Três meses depois, o noivado, na festa de Natal. E a mãe dela, preocupada:
- “Filha, que pressa é essa? O que você andou fazendo?”
- “Não fiz nada, mãe. Não estou grávida, se é isso que você está pensando. Sou virgem e vou casar virgem!”
Realmente, ela quis e casou virgem. De nada adiantaram as minhas tentativas para fazê-la mudar de ideia... na hora H ela escapulia e me deixava – literalmente – na mão.
Resolvemos comemorar o início de tudo, entrando com os papeis no Cartório no mesmo dia e mês em que, um ano antes, havíamos começado o namoro: dia 3 de setembro de 1973, uma segunda-feira.
De posse dos documentos exigidos, fomos ao Cartório. Um detalhe foi esquecido: duas testemunhas eram necessárias para assinarem o pedido. Não leváramos ninguém. O jeito foi pedir a um casal que estava na mesma situação que a nossa e, assim, eles testemunharam para nós e nós para eles. O famoso jeitinho brasileiro...
Saímos do Cartório, que era no centro da cidade, por volta das 17 horas. Eu tinha que ir à minha casa e voltar ao centro para dar aulas, então acompanhei-a ao ponto de ônibus dela, nos beijamos e corri para pegar o meu ônibus, cujo ponto era alguns quarteirões acima.
Chegando perto, vi, num cruzamento de uma avenida com uma rua, um pequeno tumulto. Dezenas de pessoas estavam ali aglomeradas, olhando algo no chão. De onde eu estava não dava para saber do que se tratava. Nem tinha tempo para averiguar. Peguei meu ônibus e vinte minutos depois, descia em frente ao edifício onde morava. Quando ia atravessar a rua, vejo minha irmã e minha mãe saindo da portaria, semblante carregado.
- “Ainda bem que você chegou. Telefonaram agora do Pronto Socorro, papai foi atropelado e está lá. Pegue o carro e vamos”.
Rapidamente, entrei em casa, peguei os documentos do carro e fomos para o Pronto Socorro. Sequer me lembrei de telefonar para o cursinho onde daria aulas aquela noite para avisar que não poderia ir.
No carro, fiz perguntas e as respostas me deixaram gelado. O atropelamento se dera no local onde eu vira o tumulto, antes de pegar o ônibus. Era meu pai que estava lá, caído, e eu não vi. Custei a dirigir, mas, finalmente, parei em frente ao Pronto Socorro e corremos para lá para ter notícias. Meus outros irmãos tinham chegado e um tio, médico, já entrara para ver pessoalmente o que se passava. Logo ele retornou e disse que estava tudo sob controle, papai teria de ficar em observação. Foi um alívio, logo desfeito, pois ele chamou a mim e a dois irmãos e disse que a situação era gravíssima. Podíamos esperar o pior. Ele dera a falsa notícia apenas para não apavorar mais ainda minha mãe e irmãs.
Fomos embora, pois de nada adiantava ficar ali, não era permitida a entrada.
Voltamos logo de manhã. E aí tivemos a notícia. Nosso pai havia falecido.
Por isso pensei em outro título para este conto, que é real: A primavera chegou rosa e terminou cinza.
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