Ricardo Marques- Padecia de Amor


"Por detrás das cortinas, seguia-te com o olhar, até que desaparecias no fim da rua, e este prazer, rápido como era, alimentava o meu amor, habituado a viver de tão pouco.” (José de Alencar)
Padecia de amor. Carecia de cuidados que os pais, a bem da verdade, nunca deixaram de dar. O pai, gerente de uma metalúrgica famosa, afrouxava a gravata e maldizia o genro esquivo, jurava morte ao patife, mas jurava baixo, pra sua pequena não ouvir. A filhamantinha com o rapaz um relacionamento praticamente unilateral, mas seu comprometimento, de grande que era, valia para os dois.
O mancebo, em longa viagem, aumentou involuntariamente sua indiferença e a moça foi caindo doente: não comia, e, por tabela e por escolha, em poucos dias também já não saía da cama. Em vigí-lia, aprendera a reconhecer as palmas sonoras do carteiro que, diari-amente, trazia as correspondências e as lançava portão adentro.
Cambaleante, levantava da cama num pulo só, ralhava com a empregada, tropeçava na mãe e chegava às cartas primeiro. No al-pendre, caçava com os olhos os telegramas que seriam do amado. Seriam, mas não eram.
Mais uma vez, voltava ao quarto para encerrar-se numa escuridão consciente e atenta. Passavadas quinze horas de uma quarta-feira abafada e claustrofóbica, quando, inebriada pelo mormaço, caíra sobre o negro assoalho da desdita.

No dia seguinte, sob palmas desavisadas, o carteiro bradava por atenção. A carta do amado enfim chegava, mas ninguém podia recebê-la, por ocasião do velório.



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