José- Irene Coimbra



José, homem simples,  morava numa cidadezinha do interior de São Paulo com a mulher e oito filhos. Apesar da pobreza viviam unidos.
Um dia, seu irmão Francisco foi lhes fazer uma visita e, vendo aquela pobreza, insistiu para que mudassem para São Paulo, onde ele morava.
- Lá há mais chances de trabalho e terão uma vida melhor. Sou chefe dos graniteiros numa empresa e estamos precisando de mais funcionários. Poderá trabalhar comigo. Os meninos logo estarão empregados também.
Temos uma vizinha que está alugando uma casa ao lado da nossa. Poderá alugá-la.  O que acha, meu irmão?
Depois de pensar um pouco decidiu aceitar a proposta do irmão. Não tinha nada a perder mesmo, pois nem a casa onde moravam era deles. Vendeu os poucos móveis que tinham e rumaram para São Paulo. Iam felizes!
Já podia ver toda a família trabalhando e ganhando seu dinheiro. A mulher  cuidaria da casa,  do caçula  e da filha com deficiência mental. Tudo daria certo. Além disso, o irmão lhe prometera ajudar no começo.
Chegaram a São Paulo cheio de sonhos.
Foram morar na casa que o irmão falara e, com sua ajuda, a mobiliaram.
No começo ficariam um pouco apertados ali, mas logo teriam condição de alugar uma casa maior.
E com essa esperança em mente começou a trabalhar com o irmão. Os filhos logo conseguiram emprego e tudo estava dando certo.
Porém, com o passar dos meses as coisas começaram a complicar. Os dois filhos do meio, sentindo-se explorados, se revoltaram e pararam de trabalhar. Uma das filhas arrumou um namorado, casou-se e mudou-se para outro estado. A outra também fez o mesmo.
O filho mais novo continuou trabalhando como office-boy num supermercado e  o mais velho numa construção civil.
Um dia, o filho mais velho disse:
- Pai, vou voltar para o interior, pois não estou aguentando mais isso aqui. Vou me casar e morar lá.
E lá se foi o filho mais velho.
Os outros dois, que haviam parado de trabalhar, também disseram:
- Pai, também vamos voltar para o interior. Explorado por explorado é melhor lá.
E lá se foram eles...
A família agora estava reduzida, mas nem por isso as coisas melhoravam.
Como grafiteiro, também começou a se sentir explorado.
Começou a duvidar do otimismo do irmão, a ficar mais introvertido, até se sentir completamente isolado do mundo.
A filha deficiente mental,  começara a sofrer convulsões epiléticas e o cuidado com ela teve que ser redobrado. Felizmente  o caçulinha quase não dava trabalho.
A mulher  estava gostando da vida ali e ainda tinha esperança de realizar seu sonho. Era uma grande sonhadora!
- Tudo dará certo, José, você vai ver. Não podemos desanimar – costumava dizer, sempre que o via deprimido.
Ele olhava pra ela e dizia:
- Não sei não. Os meninos já voltaram pro interior e acho que a gente devia fazer o mesmo.
- O quê? Pras pessoas dizerem que fracassamos? Não. Prefiro morrer aqui que voltar pra lá.
E foi o que aconteceu. Um dia levantou-se mais cedo do que de costume, foi buscar o pão e o leite na padaria que havia perto, sentiu uma forte dor no peito, caiu e ali mesmo morreu.
Não quis acreditar quando lhe deram a notícia. Que brincadeira de mau gosto era aquela?  A mulher  estava bem antes de sair. Até se levantara mais cedo.
Só acreditou quando viu seu corpo caído no chão. Pensou que fosse enlouquecer.
O apoio do irmão não o consolava. Pensou em acabar com sua vida ali também, mas se morresse agora, o que aconteceria com  a pobre filha deficiente mental? Nem os próprios irmãos tinham paciência com ela, quanto mais um estranho.
A mulher  havia falado que preferia morrer ali que voltar para o interior. Teria sido um castigo? Não, não podia ser.
Lembrou-se então de que dias atrás ela havia se queixado de uma estranha dor no peito, mas não levara a sério e o caso fora esquecido.
E se ela já estivesse doente e quisesse esconder dele a verdade? Será que já havia sentido outras dores antes?  Perguntava-se sem parar.
Depois do funeral decidiu que nada mais o prenderia àquela cidade de falsas ilusões.
O irmão não o convenceria mais. E como os filhos haviam feito, também fez. Voltou para o interior. Alugou uma casinha e com a ajuda dos filhos foi levando uma vidinha de “dono de casa” e babá dos filhos pequenos. Plantou uma horta nos fundos da casa e com ela também foi sobrevivendo.
O tempo passou e os dois filhos cresceram.  O caçula arrumou um emprego, uma namorada e logo estava casado.
Ficou sozinho com a filha deficiente.  Suas crises começaram a se tornar mais violentas e um dia adoeceu de vez.
Foi internada num hospital público para doentes mentais. Os vizinhos lhe garantiram que aquele era um bom hospital e que a filha seria tratada com todo carinho. Ficou tranqüilo.
Um mês depois foi visitá-la. Disseram-lhe que ela estava no pátio descansando. Encaminhou-se pra lá, feliz. Talvez até já estivesse curada.
De longe viu alguém caído no cimento frio.  Apressou-se para ajudar.  Não... Não podia ser! Sua filha??? Era. Jogada ali como um trapo.  Então era aquilo que eles chamavam de “descansando”? Teve vontade de gritar e sair destruindo tudo à sua frente, mas se conteve.
Levantou-a, colocou sua cabeça no colo e começou a acariciar seus cabelos emaranhados. De repente, piolhos foram caindo aos montes. 
Então era assim que sua filha estava sendo tratada? Como um cão sarnento?
Olhou para os lados, mas o pátio estava deserto.
Como iriam explicar aquele abandono e estado lastimável?
Não explicaram. Disseram apenas:
- Sinto muito, Seo Zé, sua filha não tem cura.
“Seo Zé”... “Seo Zé”.... O que poderia fazer alguém que era apenas “Seo Zé”?
Não conseguiu abrir a boca. Tirou a filha dali e se encaminhou para outro hospital. Ela não podia morrer naquelas condições. Não podia.
Perguntaram de onde ela vinha e ele contou toda a história. Uma sindicância foi aberta e aquele hospital fechado para sempre.
Sentiu-se vingado. Agora ela seria bem cuidada, tinha certeza. E foi. Dentro de poucos dias estava de novo em casa. Passou a viver só em função dela.
Alguns meses se passaram e nova reviravolta em sua vida. A vizinha, proprietária da casa onde morava, rescindiu o contrato porque a filha ia se casar e precisava da casa.
José, e agora? Pra onde vai? – a pergunta martelava sua mente.
Outra vizinha que acompanhava de perto todo seu drama, disse-lhe:
- Seo José, fiquei sabendo que uma mulher muito rica morreu e deixou toda sua fortuna para ser repartida entre os pobres. Os padres da igreja matriz ficaram encarregados disso. Vamos lá conversar com eles. Tenho certeza que vão ajudá-lo.
- Mas eu nem sou católico. – disse timidamente.
- Não tem problema. Vamos lá.
E lá foram eles. Chegando à igreja, foi para um canto e ficou observando, de longe, a vizinha conversando com os padres. Viu-os olhar para ele quando ela apontou em sua direção.
No dia seguinte, dois homens vestidos com roupas comuns, apareceram em sua casa, conversaram com ele durante alguns minutos e depois foram embora.
Uma semana depois os mesmos homens voltaram, entregaram-lhe uma caixa de sapatos fechada e disseram:
- Isto é para o senhor.
 E se afastaram rapidamente sem dar-lhe tempo de perguntar nada.
Pensou que fosse um par de sapatos. Abriu-a e empalideceu. Dinheiro??? Era.
Estaria sonhando? Não. Tudo era real. As cédulas estavam bem arrumadinhas como se tivessem acabado de sair do banco. Com as mãos trêmulas contou uma por uma: trinta e oito mil reais.
Colocou a caixa numa sacola e foi procurar o filho mais novo. Contou-lhe o que tinha acontecido. O filho acreditou num milagre.
- Pai, foi Deus quem mandou esse dinheiro pro senhor.  Tem um homem aqui perto que está vendendo uma casa e essa é a importância exata que ele quer. Vamos lá falar com ele.
Saíram apressados e o negócio foi feito. Respirou aliviado!
O problema da casa estava resolvido. Agora ele tinha mais tranqüilidade para cuidar da filha e da casa. 
E o tempo continuou passando...
Um dia a filha caiu doente para nunca mais se levantar. Morreu como morre um passarinho.
Os filhos respiraram aliviados. Tinham medo que ele morresse primeiro deixando-a como herança para eles.
E o tempo continuou correndo...
Aposentado por idade e, com os frutos de sua horta, sobrevivia sem ser “pesado” para nenhum filho. Podia morrer de cabeça erguida.
E assim termina a história de José.






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