Saudade- Ithamar Vugman




Estou na datcha. Sento-me na varanda. Olho para o horizonte. A paisagem me traz paz. É dia dos pais. Penso em Marcelo, meu filho. Falecera há cinco anos. A saudade irrompe. Violenta. Dolorosa. Não resisto e choro. Rosa aproxima-se. Abraça-me com ternura. Chora comigo. Quer aliviar minha dor. Rosa sabe o que é sentir dor por um filho. A saudade continua. Mais calma. Menos dolorosa.
Relembro a última vez que vi Marcelo. Dia de Ano Novo. 2008. Marcelo morrera algumas horas antes. Deitado no caixão tinha o rosto tranquilo. Finalmente em paz. A esclerose múltipla manifestara seus primeiros sintomas quando Marcelo tinha 24 anos. Demorei para entender o significado destes sintomas. Durante mais de 20 anos, Marcelo lutara contra esta doença terrível. O organismo ataca e mata seus próprios nervos. A cada surto, uma perda física. Primeiro a visão. Depois dificuldade crescente em andar. Acabara confinado a uma cadeira de rodas. Braços e mãos também afetados. Enfrentara as perdas com dignidade. Estoicamente. Manteve o bom humor até o fim.
                Marcelo morava em Jaú. Distante 150 km de Ribeirão Preto. Visitava-o todos os meses. Nas primeiras vezes, ele costumava esperar-me no portão de sua casa. Ainda conseguia deslocar-se, embora com grande dificuldade. Ficava feliz ao me ver. Sempre ficava contente quando eu o visitava. Certa vez, quando eu o levava para tratar um surto da esclerose no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Marcelo me disse:  Pai, se eu não mais conseguir falar, quero a eutanásia.
Ele tinha consciência do que suas palavras causariam em mim. Teve a necessidade e a coragem de expressar o medo que o atormentava. Falou para seu pai. É para o pai que um filho deve recorrer em momentos de dificuldade. De angústia. Longos foram os anos de esperanças frustradas. De espera de uma cura, que não veio. Dor de Marcelo. Dor de um pai que vê um filho sofrer. De um pai impotente para mudar o destino cruel de seu filho.
                Sinto saudade de tempos felizes de minha vida. Alegres são as lembranças que guardo do tempo de infância de meus dois filhos. A vida de nossa pequena família era normal. Nossa vida familiar ainda não se despedaçara. Sinto saudade de pessoas queridas. Das que estão distantes. Das que já se foram,
A saudade vai e vem. Às vezes chega mansamente. Outras vezes nos atinge com violência. Em ciclos infindáveis. Como as ondas do mar. Eternas.










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