Abri a janela para que entrasse a manhã e a infância entrou junto trazendo, pela mão, minha mãe a abrir janelas: abria-as todas, antes de ir para o quarto de costura, onde se entretinha por todo o dia a produzir arte, através de panos e agulhas. Tenho ainda a velha tesoura que, apoiada à mesa de madeira, fazia um som rouco, prontamente suavizado por sua bela voz a cantar músicas que jamais serão esquecidas.
Pela janela aberta, entrava a umidade refrescante do muro de pedras tapiocanga, onde se acomodavam samambaias e os pássaros que as tinham semeado; juntando-se-ali, então, o muro, as samambaias e os pássaros numa plateia só possível num sarau de Sarah, minha mãe.
O corredor das samambaias se alargava mais à frente, transformando-se num mundo místico de cheiros, texturas e visões ora reais ora inventadas: coisas boas de cheirar e apalpar, frescas e perfumadas, do canteiro de minha avó, e eu me declarava proprietária daquele pedaço de terra, esquecida de todos e por todos, ouvindo ao longe os cantares de minha mãe e me sentindo a grande arquiteta do universo.
Ao voltar, vinha devagar, resvalando as mãos pelas plantas e ouvindo a voz de minha mãe ainda a distribuir amores, sonhos, mistérios e esperança.
Em Destaque, na 39a. Revista Ponto & Vírgula!
Comentários
Enviar um comentário