O Pintor- Tereza Aparecida Farah Nazário


                  
    Ele acabara de levantar. Eram sete horas. A empregada  ainda não havia chegado. Achou melhor tomar um banho. Sentiu-se bem, foi para cozinha tomar seu café.
    Não se permitia sair da rotina, olhou para o cavalete, uma tela em branco. Ficou muito tempo assim. Não pensava em nada. Estou cansado, ele pensou. Seus olhos, grudados na tela, a sua frente. Suas costas doíam, não conseguia mudar de posição.
    Não vou pintar mais? Perdi minha inspiração? Tudo isso passava pela cabeça do pintor, quando percebeu que a tela havia saído  do cavalete.
    - Você não fez o seu desenho hoje. Vamos logo, esse é o seu ofício e o repreendeu.
    Não respondeu, mas sentiu  necessidade de se mexer. Não podia desistir com tanta facilidade de uma profissão de que gostava tanto, dava-lhe tanto prazer misturar as tintas, perceber as nuances.
    - Agora, você vai pintar o seu desenho, ela continuou. Você é um pintor talentoso, tem encomendas para entregar. E a sua responsabilidade profissional?
    Começou a pintar o quadro. Sentiu dificuldade. Não podia parar, pensou. As cores das tintas, os pincéis trouxeram-lhe um pouco de alegria. Com sacrifício, continuou seu trabalho.
Foi interrompido pela empregada. Era hora do almoço. Não conseguiu comer, sua preocupação dobrou.
    - Vou procurar um médico, decidiu.
    O doutor não chegou a um diagnóstico preciso. Receitou calmantes, exercícios físicos e uma alimentação balanceada. Piorou com os remédios, tinha alucinações: via seus pais falecidos, conversava com eles e acordava suando frio, sem vontade de sair da cama. Não se movia, seus olhos estavam sem brilho. A empregada resolveu pedir ajuda à família do pintor.
Sua irmã veio para lhe fazer companhia. Gostava de costurar. Achou que ele devia renovar o guarda-roupa.
    - Você só pensa em pintar, esquece de si próprio, da sua aparência. Vamos mudar isso.
Ficou muito mal. Como aceitar essa invasão da sua privacidade? Quando sua irmã tirou as roupas do guarda-roupa, achou uma carta no bolso do paletó. Era da namorada dele. Descobriu o motivo da doença do irmão.
    O pintor não se conformava com a atitude dela. Queria levantar da cama, não podia aceitar que mexessem nas suas coisas, descobrissem os seus segredos. 
O despertador tocou. Acordou, aliviado. O brilho do sol dentro do quarto. Levantou depressa da cama, precisava trabalhar para entregar em dia as encomendas.



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