O ESCRITOR QUE NÃO CONSEGUE ESCREVER: “Ah me esqueci de tudo”!- Sérgio Kodato


    O escritor, frustrado, angustiado e pouco inspirado, está diante da tela vazia do computador, olhando para o nada existencial; o pensamento desagrega, seus dedos tremulam carência e imobilidade. Sua mente, outrora mediana, vagueia por um imenso oceano de ideias tenebrosas, temendo se afogar num maremoto de paradigmas e incertezas. Quase chafurdando na imaginação doentia, ele respira fundo... "Ah me esqueci de tudo!". Sentindo-se um náufrago no nada, suplicou e implorou ao Oráculo: "Qual o caminho da salvação?"
    "Salvação da escrita? O melhor método é beber uma cachaça, fumar um Cohiba, abrir o coração, dar asas à imaginação e escrever muito, mas muito mesmo". Sabia que Mário de Andrade produziu Macunaíma em 25 dias? Internou-se em seu sítio e produziu essa impressionante rapsódia, numa tacada. Mas, macunaímas a parte, o problema do escritor é que um bloqueio se instalou em sua produção escrita e ele não vê a mínima graça em nada que escreve.
    "Que lástima, que tragédia, será que a Ritalina ou alguma pílula da inteligência artificial não resolveria?" Drogas, estimulantes artificiais, café, cigarro, nada faz alterar o estado leniente de sua consciência. Procurou um psiquiatra, pois imaginou estar sofrendo de um surto de depressão operativa: o medicamento antidepressivo não melhorou em nada e ainda bloqueou o livre fluxo do pensamento libertino...
    Ao se consultar com o neurologista, este lhe recusou qualquer concretização de sua fantasia mágica de cura medicamentosa e lhe indicou o caminho da cura: estimular os dois hemisférios cerebrais, treinar o raciocínio, memória e desbloquear a inteligência emocional. O psicólogo lhe propôs a estratégia da arte-terapia: pintar, desenhar, modelar, dramatizar, poetar, musicar e sentir o mundo. 
    O escritor agora um esteta e louco para desbloquear seu tesão por escrever, marcou uma sessão de Arte-terapia, e prestou muita atenção: “o fazer artístico se constitui como mediação no processo de autoconhecimento e de ressignificação do sujeito acerca de si próprio e de sua relação com o mundo”. Como? “O propósito fundamental da Arte-terapia é resgatar a criatividade na vida, ou seja, contribuir para que o sujeito aprenda a lidar criativamente com os limites que a vida lhe impõe, transformando-se assim em artista da própria vida.
    O escritor ainda não começou a produzir, não tem pressa, seus últimos livros estão encalhados, no sebo da Praça da Sabedoria. Que ironia, agora está respirando por uma janela, se sentindo um artista louco... ou um louco artista? Van Gogh tinha razão, “esse bando de corvos famintos e mal amados estão destruindo nossa plantação de girassóis e comendo todas as nossas sementes do futuro”. O que fazer? “Cortar a orelha ou depenar esses corvos”?


Antologia Ponto & Vírgula - No. 13 - Pág. 63
Editora FUNPEC
Coordenação de Irene Coimbra



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