Fique com os planos,
o medo, o desengano,
o desassossego.
Guarde bem seus tesouros,
que brilham como se fossem ouro.
Fique com a fuga, as viagens,
as imagens profanas,
as futilidades com as quais você se engana.
Apague seus rastros das noites insanas.
Acredite nos astros e suas tramas.
Fique com os presentes, os mimos,
os pajens.
Guarde-os bem em sua bagagem.
Leve consigo a escusa idade, a falsidade,
o dissimulado glamour, a efêmera vaidade.
Abasteça-se da indiferença,
dos falsos amigos,
dos crédulos, das crenças
e das promessas esquecidas e acomodadas.
Das juras quebradas, das frases desfeitas.
Prenda-as em seu coração petrificado.
Fique com a fama, a gana, a grana
e a bagana.
Use-as como bem entender.
Esconda bem seus anseios, seus receios,
seus amores, seus seios.
Guarde-os bem trancados dentro de você.
Arranque do seu peito a ternura, a candura
a maculada alma pura.
Amargue bem a doçura e torne-se mais e mais dura.
Para se resguardar, fique com tudo.
Arrolhe tudo o mais que puder.
É-lhe essencial, imprescindível, indivisível,
inseparável.
Deixo-lhe o meu amor eterno.
No armário do coração, o terno,
o cômodo da cômoda laqueada
que, nas gavetas lacradas,
guardam as intocadas lembranças,
não resolvidas e nunca mais revolvidas.
Deixe-me a paz, o fim dos sonhos e pesadelos.
Deixe-me o sono das noites insones,
a tranquilidade, o fim da saudade.
Deixe-me serenos os pensamentos
e, sem temor, os momentos sós.
Deixo-lhe o lenço que lhe enxuga as lágrimas
para que, se um dia chorar,
as possa secar outra vez.
Deixo-lhe, enfim, todas as bênçãos e orações,
sem mágoas ou fingidos perdões.
Só me deixe a esperança, a verdade,
o puro sentimento dos bons momentos,
das lembranças, sem alarde,
que nem o tempo,
nem a idade,
não apagarão
jamais.
Poema de Ricardo José Daiha Vieira, em Destaque, na 44a. Revista Ponto & Vírgula, Página 16.
Comentários
Enviar um comentário