RETALHOS Ely Vieitez Lisboa





1. Os sonhos nos entram pela boca como doce alimento perfumado, mas se escoam todos, quase sempre, putrefatos, pelas mais diversas cloacas da vida....

2. Uma só coisa nos consola: o sofrimento é aparentemente dinâmico; assim, todos os dias ele parece mudar um pouco, trazendo-nos a idéia que terminou – basta que se arranque a máscara ilusória (comumente chamada esperança) e teremos uma verdade imutável. O sofrimento é inerente à condição humana.
3. É condição humana, porta sem chave, enigma sem solução e mistério: para ser feliz o homem tem que ser o que ele é; para ser aceito, ele se faz ser. Sendo o que não é, violando-se a si próprio, ele só pode ser infeliz. E ninguém infeliz pode fazer o outro feliz.
4. O homem é dinâmico, mutável, instável, camaleão. Como exigir dele opções definitivas, posições fixas, escolhas sem volta? Por isso parecem-me ironias de mau gosto instituições como: ¨casamento indissolúvel¨, ¨amor eterno¨, ¨fidelidade por toda a vida”... Pode até acontecer, mas é regime de exceção.
5. Nos aforismos de Carlos Drummond de Andrade, em ¨O Avesso das Coisas¨, o poeta afirma que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas efêmero e mortal, para evitar a competição. Malícia de Deus ou participação do Diabo?
6. Quando o Amor nos bate à porta, a lucidez foge pela janela. Viramos estranhos e belos monstros sem cérebro, só coração.
7. A Paixão é uma sarça ardente: queima o corpo e a alma, sem destruí-los.
8. Será tão fácil delimitar paixão, amor, atração carnal, ¨rabicho¨, carinho, amizade, ternura? E quando o sentimento que nos toma é tudo isto, mais todas as delícias do céu e os suplícios do inferno?
9. Ouve bem e pensa: Eu que te sou, tu que me és, podes compreender todas as minhas loucuras? Tu me condenas? Mas, irmão querido, elas também são tuas!
10. Quando se escreve algo objetivo, claro, sem magia na linguagem, não é literatura. Lembro-me de uma crônica de Rubem Braga, quando ele coloca o personagem diante da dificuldade de redigir um anúncio em linguagem referencial, denotativa. Desiste do intento e confessa, melancólico, que tem vontade de escrever coisas assim: ¨... a lua de agosto semeava crisântemos e bicicletas verdes no abril de teu sonho de mariposa castanha...¨.



Crônica de Ely Vieitez Lisboa - 14a. Antologia Ponto & Vírgula - Pág. 19 - Coordenação: Irene Coimbra - Editora FUNPEC.





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