Uma parte do capítulo X ("o Vale do Rio São Pedro") - Idemar Gonçalves de Souza

 Uma parte do capítulo X ("o Vale do Rio São Pedro") DA OBRA
SOBRE TRECHOS DUMA VIDA.

                Além das pescas havidas nos poços cevados aos milhos, esses pescadores de barranco elegiam também outros pontos, sobremodo nos lugares aonde o rio, por imposição da natureza, mudava repentinamente de direção, porque nesta espécie de cotovelo que ali era formado é que permaneciam, com maior habitualidade os mais graúdos peixes, a parecer que era nessas águas mansas, remansosas, que eles permaneciam por mais tempo com o fim de darem-se um descanso para regimentarem, enquanto isso, as suas energias para as ocasiões a se empreenderem na busca de alimentos e, quando não, para ali se exibirem a possíveis pretendentes namorados.
            E a todos parecia que também se utilizava o rio dessa mesma ocasião, com a devida pertinência, para nesse momento, como numa contingencial reflexão, pôr de repouso, por um momento, que fosse breve, as suas turvas águas, cansadas daquela vidinha corriqueira de correrem, desde sempre, sem recreios, deprimidas pelos limites impostos pelas margens opressoras, ora saltando escangalhadas sobre pedras salientes, ora tombando, assustadas, sobre variados precipícios por esses seus caminhos cheios de aventuras. E para aonde se iam essas tão apressadas águas, somente Deus, por sua imensurável sapiência é que saberia explicar! Todavia, naquelas paragens distantes, todos acreditavam que elas se iam muito além dali, para de modo incompreensivelmente submisso, entregarem-se à outras altivas águas, às suas fozes. Mas poderia ainda ser, por uma análise, aparentemente mais profunda, que todas elas se iam para o mar.
            E após aquele tempinho em que, furtivamente, haviam usufruído de tão precioso ócio elas partiam a se deslizarem exuberantemente, mas sem pressa agora, alteando graciosamente o dorso ondulante para que, depois de remoinharem-se, como se valsassem sublimadas, numa apreciável esbeltez, cheias de garbo, silenciosas, se não fossem seus maviosos burburinhos fossem, de súbito, assaltadas por umas inquietas, persistentes e velozes corredeiras, se bem que estas, singularmente açodadas, eram distinguidas por outra finalidade: a de levar, dali, a despeito da oposição de possíveis embargos a se superarem, aqueloutras tidas por preguiçosas, espetaculosas, volúveis - mas elas não eram, com toda segurança - meio descomprometidas com o tempo, para levá-las dali para o seu destino e que fosse no prazo estipulado. Talvez elas nem soubessem, mas natureza se reveste de desígnios a se cumprirem para que sejam satisfeitos os seus propósitos, em que há, neles, como sempre houve, inimaginável sensatez.
            Essas ligeiras águas há muito já sabiam que o tempo não é de esperar. Então, que se apressassem, porque ele, o tempo, simplesmente passaria num instante, sem dar conta, a outrem, do seu perpétuo compromisso.

            E nesses pontos, onde o São Pedro, momentaneamente, se punha de repouso é que os poços eram mais profundos e bem por conta disso, propícios à satisfação dos interesses daqueles solitários pescadores. Apresentavam-se, ali, à toda evidência, os maiores e os mais cobiçados peixes. E quem sabe não fosse num espaço assim, onde aconteciam encontros tão auspiciosos, que se punham eles, os peixes, de namoro, a fim de exibirem tudo o que tinham de beleza e de virtude! Mas quem quiser saber se isso é mesmo uma verdade, ou uma fábula, haverá de perguntar a eles!
            Otelo observava, encantado, a movimentação graciosa dessas águas, profundamente tocado em sua sensibilidade camponesa, a dar ensejo a que ele, de vez em quando, vozeasse: “Olhem isso... filhos! Como é admirável a natureza!”





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