A avó que dormia demais- Rosita Rodrigues Neto



    Ela era pequena, muito pequena mesmo, quando foi viver com os avôs. Acordava cedo para ir ao grupo escolar e se arrumava sempre sozinha.
    A avó, já velhinha, dormia; ficava na cama até mais tarde, revivendo e revirando sua vida vivida. Fez muitos planos, sonhou muito, acreditou que a vida seria mais fácil! E, indagada como foram aqueles anos, respondia que viveu tudo o que lhe coube: a realidade e os sonhos, que se misturavam naquele momento. Percebeu que sempre viu os pés da realidade e a cabeça dos sonhos. O que existia no entre, ela criava de acordo com o seu desejo; e coloria com as cores que tinha sempre em mãos. Um doce e áspero viver. Um simples viver.
    Quando a menina ia acordá-la, virava de lado, soltava um som que até hoje não se sabe o que significava. Talvez preferisse não acordar mais. Vivia naquela cama o que não viveu acordada. Dores já não havia mais.
    As lembranças chegavam ofuscadas, embaralhadas e, quando apareciam nítidas, dizia: não, não podem ter sido assim.
    E docemente fazia delas algo agradável. Quase na hora da despedida, iria esta velhinha se ancorar em lembranças tristes? Sem sentido!
    Só queria ouvir o que havia de mais alegre e colorido em seu ser. Queria se despedir da vida e da neta cantarolando a cantiga da chegada e da virada. Nada de dor. Nada de partida. Só despir-se e sair cantando a reviravolta da vida.
    Assim ela se foi: numa clave de sol rodeada de notas em dó, ré ou mi. Tanto faz agora.


Crônica de Rosita Rodrigues Neto - Antologia Ponto & Vírgula - Poesias, Contos e Crônicas - No.6 - Pág. 153
Editora FUNPEC - Coordenadora: Irene Coimbra










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