Era uma tarde morna qualquer, de um dia qualquer, de um mês qualquer. Quase o de sempre na vida do casal após 45 anos juntos.
Atarefado em frente ao computador ele tentava resolver um problema, pelo jeito grande e pelo jeito sério, numa nova página. Falava em voz baixa mas de forma audível motivando-se a si mesmo, para contornar mais um flagelo da informática:
_Vai dar certo... vai dar certo... não é possível... não é possível! aiaiai Pô !?
Ali ao seu lado, Ela distraída lixava as unhas enquanto cantarolava a música “Mio Babino Caro do filme que assistira no dia anterior. Absorta e comovida rememorando o filme que viu , cantarolava e cantarolava: hum hum hum... hummm... hãããã... ãh....
Embevecida disse baixinho:_”CALLAS FOREVER”, que filme lindo! Bizet! Maria Callas e voz extraordinária ..... linda estória... que bela estrela a Fanny Ardant! O Artista Jeremy Irons ! Perfeito....e Franco Zeffirelli sempre, impecável... Ainda enlevada e sonhadora Ela abusou das lembranças e pensou no Caruzo de Mário Lanza e no próprio Caruzo; e mesmo sabendo que falava consigo mesma, comentou:
_ Que privilégio ouvi-los !?... e continuou ali lixando e pensando...pensando e lixando...e cantarolando.
Ele, ainda falando sozinho de forma enérgica e P da vida com o erro persistente no computador, quase bradava: __ O que qué isto? QUE QUÉ ISSO! Que merda é essa? Fudeu tudo.
Absorvido no computador produtivo que resolvera travar , continuava com os impropérios , digitando, excluindo, navegando, insistindo alheio a tudo:
Não! Não! Nãão ! É assim. É iiiisto cacete!...e Ela, também alheia a tudo enquanto guardava o material de manicure, encerrando a operação “unhas’, ainda solfejava Mio Babino Caro , em boca que usa.... hum hum hum hãããmm
Então, a quietude da costura por Ela retomada fez coro ao silêncio cúmplice e tranquilo do harmonioso casal , que interrompeu por hora o prosear.
Mais um dueto de solilóquios guardiões, que impedem nas vidas o intruso maldoso que se chama Solidão. É natural, perfeitamente natural, e bom.
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