Fazer Literatura- Nilva Mariani

               

    Alguém me disse, um dia destes: Não sei como vocês (da Academia) conseguem ainda fazer literatura, com tanta desgraça acontecendo, corrupção, violência etc.
    Esse comentário leva a algumas reflexões, como, por exemplo: os escritores não se importam“com tanta desgraça”; e o que é “fazer literatura”. O que será que entendem com essa expressão? Provavelmente escrever textos bonitos, poemas, crônicas, publicar em livros e nos jornais.
    Isso não pode ser feito apesar de tanta coisa ruim acontecendo? E o que é literatura, afinal de contas? E como se faz?
    Há tantos conceitos (não definições, que pertencem às  ciências) quantas pessoas que se dedicam a teorizá-la.
    Ficando apenas com literatura em sentido restrito, citarei alguns conceitos que me parecem os melhores: “Literatura é expressão dos conteúdos da imaginação através de palavras de sentido metafórico”. “É a exploração sistemática e deliberada dos recursos da linguagem.”. É a produção do belo através de palavras polivalentes.” É a criação duma suprarrealidade.”
    Há tantos outros que dariam para encher uma página de jornal. Esses, entretanto, são suficientes para nossas considerações.
    A literatura cria uma nova realidade a partir desta que vivemos, sem compromisso com a verdade, é ficção, imaginação apenas, mesmo partindo de acontecimentos ou dados reais.
    Por isso, o escritor pode fazer literatura apesar de tudo que há de ruim por aí. Talvez isso seja exatamente a fonte de inspiração para seus textos. O autor é um ser como outro, vive e sente a mesma realidade, só que é capaz de transfigurá-la em matéria de arte, que pode ser um conto, um poema, um romance, ou ainda  um quadro, uma música...
    Proust escreveu sete romances que “nasceram” quando ele tomava chá com madalenas, e o sabor da iguaria levou-o ao passado e daí a revolucionar a técnica do romance com Em busca do tempo perdido.
    Ainda bem que se consegue fazer literatura, porque, assim, pode-se pôr um pouco de beleza e fantasia ao lado das notícias desagradáveis sob vários aspectos, que povoam a mídia escrita e falada.
    Os escritores não são alienados, conhecem a realidade e nela vivem, mas, enquanto os pés estão no chão, os olhos estão nas flores, nas estrelas, na música, nas crianças, como os demais artistas e os místicos.


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