FRENTE ESTREITA DA CASA...- Perce Polegatto

    Frente estreita da casa que me esperava aos quatro anos, a alguns metros da nossa. Ali morava um parente de minha mãe, a quem chamávamos tio Major: alto, entusiasmado, bem-falante, cabelos brancos curtos, óculos em aro fino. Portão de grade ornamentada e mureta muito alta, degraus abrindo a modesta varanda logo acima: a casa toda me parecia muito alta, tudo ali ficava bem acima de minha cabeça. Eu segurava o portãozinho com as duas mãos, não alcançava tocar a campainha. Olhava para cima e forçava a voz. Tio Major! Após a segunda chamada, ele aparecia por detrás de uns grandes vasos de plantas, fingia surpresa e, lá de cima, enquanto já descia a abrir passagem ao meu coração ansioso, respondia enfático, convidativo, pronto: Nêni! Entra!. Sua segunda esposa, tia Cida, abria para mim latas com sequilhos e bolachas doces.
    Muitas vezes isso se repetiu. Eu gritava seu nome e me identificava. Sou eu, o Nêni! E ele, com a mesma paciência e simpatia, encenava novamente a boa surpresa ao ver-me. Ora! Entra, Nêni!
    Todos e minha mãe morreram. Há tempos. Há sempre tempos avançando, seguindo e eliminando todos. Ainda em um de meus dias, por um motivo absolutamente inexpressivo, acontece de eu passar outra vez em frente a essa casa, mãos dadas com Denise. Peço a ela que pare e espere: preciso voltar um passo e contemplar tudo ali. Mas ela me força gentilmente pela mão, diz que devo deixar disso, precisamos ir em frente. Volto-me assim mesmo, e me decepciono: os enormes degraus, que eram cinco ou seis, agora são muitos, após alguma reforma: baixos, irregulares e meio quebrados, lembrando ruínas. A casa toda está abandonada. Apagada. Toco o velho portão, que é o mesmo. Seguro duas de suas hastes com minhas duas mãos. Penso em nosso velho parente, imagino que toda a casa cairá por terra se eu o chamar com força pelo nome, encerrando para sempre a vasta memória de alguém que, um dia, sinceramente gostou de mim. Tio Major! Sou eu! A varanda ilumina-se, ele finge surpresa. Nêni! Entra!


Da coletânea “Percurso pós-9”
Na 55a. Revista Ponto & Vírgula - Pág. 7



ilustração de Fernanda R-Mesquita

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