Pe. AFONSO DE CASTRO: UM PROFESSOR SALESIANO - Raquel Naveira

     


    Foi na Universidade Católica Dom Bosco, quando ainda estudava Letras, que travei contato com o Padre Afonso de Castro (1942-...), nosso professor de Literatura Brasileira. Pe. Afonso havia se graduado Mestre pela Universidade Nacional de Brasília (UNB). Cabelos grisalhos, olhos grandes e azuis que faiscavam de inteligência. Era um mestre que não impunha respostas, ao contrário, estimulava a criatividade, a leitura crítica, os debates. Um aprendiz entre saberes, mistérios, simbolismos. Fazia germinar ideias, provocações. Desenhava no ar pontes que atravessávamos com imaginação. Tinha suas paixões declaradas: Manoel de Barros, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Clarice Lispector. E tudo permeado pela filosofia de Gaston Bachelard. Encontrou em mim uma aluna ao mesmo tempo culta, com bagagem de leitura, mas humilde para crescer. Ao término do curso, ele já pró-reitor, convidou-me para dar aulas no Departamento de Letras, iniciando assim minha carreira no Magistério Superior. Por sua vez, ele estava se doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela UNESP de Assis.
    Passei também, juntamente com as aulas, a trabalhar como revisora da editora da Universidade. Chegou então às minhas mãos o livro A Poética de Manoel de Barros: a linguagem e a volta à infância, do Pe. Afonso de Castro, com uma dedicatória para mim!
     Que estudo formidável sobre a obra do poeta Manoel de Barros! O mestre apresenta os livros sobre os quais se debruçou como Poemas Concebidos sem Pecado, Livro de Pré-Coisas, O Guardador de Águas e outros. Analisa poemas, focando na volta à infância que imprime no inconsciente do poeta “a saudade e a nostalgia de um tempo pleno de vida, que se renova constantemente”. Explica: “Na infância, o mundo, as coisas, os seres, as pessoas foram vivenciadas de tal forma marcantes, que preenchem uma idealidade arquetípica a que os poetas voltam como origem de suas revelações poéticas.” Estado primordial, potência do ser, mundo de possibilidades. Sim, Manoel de Barros, eterno menino em busca de uma “linguagem madruguenta, inaugural, que os poetas aprenderiam- desde que voltassem às crianças que foram, às rãs que foram, às pedras que foram.” 
    A dedicação de Pe. Afonso à obra de Manoel de Barros se intensifica com dois outros títulos: Análise Estética de Poemas Rupestres e Outra Pessoa Desabre e Análise Poética, Estética e Hermenêutica, Homem de Lata, de Manoel de Barros e Cara de Bronze de João Guimarães Rosa. Os dois livros são comentários, apontamentos, espécie de anotações de tópicos para uma aula, roteiros de leitura. Transcreve o poema, depois vai abrindo clareiras na relação do poeta com as palavras. A análise do conto “Cara de Bronze”, de Guimarães Rosa é como uma câmera visualizando os campos, a fazenda, os vaqueiros, o violeiro, a moça Branca-de-todas-as-Cores, o Grifo, a viagem.
    Escritor e educador como Dom Bosco, Pe. Afonso procurou resgatar o carisma salesiano, atualizar e divulgar o Sistema Preventivo, demonstrando que permanece verdadeiro o ditado: “Vale mais prevenir que remediar”. Todo esse esforço o levou a uma cadeira na Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, onde somos confrades.
    Nesses tempos pandêmicos, nosso diálogo tem sido intenso através das crônicas poéticas que escrevo e envio aos amigos. 
    Entre uma mensagem e outra, fizemos uma amiga em comum: a poetisa e comunicadora, Irene Coimbra, que movimenta escritores com sua bem cuidada revista Ponto & Vírgula e o programa semanal de mesmo nome na TV de Ribeirão Preto. Pe. Afonso acompanha a produção sensível dessa agitadora cultural, que une toda uma comunidade em torno da Arte.
    E lá se vão mais de três décadas de respeito e trocas literárias com Pe. Afonso de Castro. Se fecho os olhos, posso imaginá-lo de batina negra num daqueles navios que atravessaram o oceano, no final do século XIX. Posso imaginá-lo num passado recente, chegando a terras do sul de Mato Grosso para cumprir seu destino e missão.

* Crônica de Raquel Naveira, em Destaque, na página 12, da 57a. Revista Ponto & Vírgula (outubro/novembro/dezembro/2021)

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