Amiga, nem te conto!... Como eu fui paquerada a noite passada!... Sabe... aquele bar que costumamos frequentar?!... Uma pena que você não estivesse lá ontem!... Que gato!...
A outra se limitou a sorrir enigmaticamente. Conhecia bem a sua companheira de quarto... Não era de se entusiasmar tão facilmente!
- Mas não tive coragem de ir avante! - continuou ela. - Você sabe, né?... Cautela e chazinho quente não fazem mal a ninguém! Sabe-se lá!... Mas vou voltar lá, com certeza!”, sorriu maliciosa.
E, de fato, voltou. Várias vezes, aliás! Nem sempre o encontrou por lá. Mas, quando ele estava, os olhares continuaram chamativos. Homem bonito, atlético, enigmático... Talvez um pouco reservado demais!...
Na última vez que o encontrou, ela se viu empolgada, talvez por ter bebido um pouco além da conta. Então, foi o momento de ela própria fazer a abordagem: “Já que Maomé não vai à montanha...”
A conversa não fluiu muito, ela já o sabia calado. Talvez um pouco frio!... Todavia, bastante “alta” como já estava, sequer deu atenção a esses detalhes.
Quando veio o convite, a mulher não titubeou. Concordou rapidamente em irem juntos para o apartamento dele.
O local não era muito distante, mas o apartamento cheirava a solidão. Não que estivesse desarrumado, mas havia bastante poeira e um certo cheiro de mofo! Ainda que um pouco “mareada”, ela conseguiu observar atentamente o local. Na parede, vários retratos diferentes de uma mesma pessoa. A curiosidade foi maior que a discrição.
- “É a minha ex...”, respondeu ele laconicamente, quando indagado sobre a figura ali tão presente. E, imediatamente, mudou o rumo da conversa, oferecendo-lhe uma bebida.
Como era de se esperar, o clima esquentou rapidamente. Eles passaram logo dos amassos aos beijos ardentes de língua, às lambidas e mordidas.
A coisa parecia caminhar bem, ela se entregou completamente, até que, num dado momento, ele se tornou anormalmente excitado e impositivo.
Tomando-a pelos ombros de uma forma inexplicavelmente dominadora, ele tentou subjugá-la com uma força que a mulher julgou desnecessária e descabida. Mais parecia um estupro!...
A ssustada, ela viu o tesão dele crescer desmedidamente e se retraiu. Então, ele a prendeu fortemente pela cabeça e a pressionou com brutalidade em direção às suas pernas. A intenção dele se tornou muito clara: “Sexo oral ‘na marra’!”, concluiu ela contrariada.
Ousadamente, ele passou a expor o pênis ereto, forçando-a cada vez mais em direção ao mesmo. Diante da crescente resistência dela, repentinamente ele se pôs a gritar:
- Vamos! Faça!... Faça comigo!... Você também é como ela, sua vadia! Duas vadias!... Gostam de fazer com outros... mas não topam fazer comigo!...
O pavor cresceu dentro da mulher, quando ele a estapeou, forçando-a a abrir a boca, a contragosto. Conseguiu, finalmente, enfiar-se nela abruptamente, movimentando-se freneticamente. Os gritos continuaram:
- Aquela vadia sempre fazia isso com outros, mas não queria fazer comigo! Eu descobri!... Eu descobri!...
Apavorada diante de tanta fúria, ela achou melhor fingir submeter-se aos desejos dele. Sabia estar diante de um homem transtornado, um psicopata talvez, cujos sentimentos de masculinidade foram duramente pisoteados por outra mulher.
Temendo uma vingança, passou a massageá-lo com a boca, tímida e medrosamente. Em delírio, ele a puxou freneticamente para si e se aprofundou nela. Sufocada, no auge do desespero, a mulher se descontrolou e, num ato instintivo de defesa, o mordeu furiosamente!...
Um grito lancinante e gutural saiu-lhe da garganta. Urrando de dor, ele deu um salto brusco para trás e se desequilibrou. Na queda, estourou a nuca na quina de uma cômoda onde ambos se apoiavam.
Atônita, ela o percebeu desmaiado no chão, um fio de sangue a lhe escorrer da cabeça esfacelada. Tomada de um incontido tremor, ela perdeu a noção de tudo por alguns minutos, sem saber o que fazer.
De repente, porém, veio-lhe uma inusitada lucidez, ela arrumou desajeitadamente as próprias roupas e, após uma breve indecisão, saiu em busca de seu telefone celular para pedir socorro. Apesar de todos os pesares, ela sentiu que não podia deixá-lo morrer ali daquele jeito, fosse ele quem fosse!...
Em seguida, completamente sem forças, desabou num choro convulso à beira do leito ao seu lado, a cabeça entres as mãos, o corpo a tremer incontrolavelmente. Em meio a tamanha comoção, ela permaneceu ali encolhida por um lapso de tempo que nem saberia especificar: instantes... minutos... horas?...
Inesperadamente, um raio de lucidez e horror perpassou-lhe o espírito: “Logo chegarão os socorristas e, com eles, a polícia... Não... não há outro jeito! Agora, é tratar de enfrentar o que der e vier!...”
Sem dúvida, nada mais havia a fazer! A situação já estava marcada, os minutos contados! O único que lhe cabia, de fato, era preparar-se para repetir, um sem número de vezes, a sua versão dos fatos. E, principalmente, convencer os interlocutores!...
“Uma longa e a tarefa!...”, suspirou ela, em meio a ondas de aflição e medo. A difícil missão de se explicar, de se justificar, de esclarecer tudo à justiça. “Irão eles acreditar em mim, no que realmente aconteceu?!... As chances não eram lá essas coisas!... As evidências?! Muito difícil prever!... Além do mais, as aparências... estas, decididamente, não estavam a seu favor!... Como já alertava Shakespeare, até “o diabo pode citar as Escrituras, quando isso lhe convém” .
*
Conto de Conceição Lima, nas páginas 32/33/34, da 18a. Antologia Ponto & Vírgula, lançada dia 18 de dezembro de 2021, no Hotel Nacional em Ribeirão Preto/SP.
Editora FUNPEC
Coordenadora: Irene Coimbra
ilustração de Fernanda R-Mesquita
Comentários
Enviar um comentário