Inocêncio Avante é um homem bom e comum que escolheu o perigo como atividade profissional. Introvertido, enfrenta diariamente situações delicadas e coloca a sua vida em risco em troca de pífio subsídio. Luta contra gigantes e malfeitores e, às vezes, exerce a força para conter injustas agressões. Homem de estatura mediana, é grande por natureza e demonstra a sua hombridade quando defende a vida, a liberdade e a segurança dos homens bons contra os ataques dos homens maus. Calmo, Inocêncio vive tranquilo em sua chácara, distante da sociedade. Quando está em casa cuida do jardim, da horta e das árvores frutíferas que plantou, colhendo os frutos do seu labor. Em troca, é agraciado com o canto mágico dos pássaros que visitam o seu quintal. Está sempre atento e preparado para o conflito. Nunca cogitou a hipótese de ser abatido por lobos solitários ou encurralado por matilha covarde que busca vingança por ter exercido a lei. Embora pacato, às vezes se transforma em bicho homem alucinado, irreconhecível, animal selvagem disposto a tudo, a conservar a vida, a liberdade ou a morte. Esse outro lado só é conhecido em episódios que envolvem perigo, e passamentos oportunos e necessários.
Português naturalizado brasileiro, filho do meio, pertence à classe média e se esforça para defender a liberdade como bem precioso e indispensável ao ser. Desconhece o meio-termo, a covardia e o medo. Mas não condena quem demonstra fragilidade durante situações que envolvem perigo e risco à vida. Inocêncio sabe que nem todos estão preparados para o confronto, e que a coragem está reservada para poucos.
Permanece equidistante do convívio social por questões de segurança e cultiva gostos particulares estranhos à grande massa. Adora o cheiro da pólvora, do carvão e da fumaça. Prefere aromas cítricos do que doces bálsamos. O sabor amargo funciona como despertador para o seu paladar. Não dispensa pimentas ardidas e bebidas quentes e fortes entre as refeições.
Recluso, possui hábitos estranhos. Acordar com o pé esquerdo é um deles. Mistura sal grosso no shampoo, toma banho em hora ímpar e não bebe nada que não esteja em copo transparente. Metódico, é quase paranóico com algumas coisas. O capricho que têm com suas ferramentas beira a obsessão. Não empresta, conserva os itens em local seguro e mantém a ordem indispensável para exercer a marcenaria como hobby quando disposto.
Atirador esportivo, frequentador assíduo de campeonatos e clubes de tiro, é um atirador mediano. Embora se esforce, a cada prática esportiva coleciona pontos agrupados que somados ficam sempre dentro da média. Nunca é o primeiro, já está acostumado com o terceiro e quarto lugar. A média sempre o acompanha. Não é por falta de esforço, talvez falte competência ou habilidade, nunca esforço, garra e determinação. Não reluta quando o seu desempenho é satisfatório, razoável ou meão. Parou de sofrer quando aceitou que nunca fará parte da exceção, dos que estão acima da média.
Quando pequeno, a vida o compeliu a lutar contra o fracasso quando tornou-se brasileiro do dia para a noite. Reconhecidamente, não é bom em nada, é regular, ordinário e às vezes vulgar. As suas maiores conquistas nunca fugiram à média. Nunca comemorou grandes conquistas, nunca surpreendeu ninguém. Inocêncio é só mais um cidadão médio, que faz parte da classe média, que têm conquistas medíocres, que faz coisas medianas e se esforça para ficar entre a média, não mais nem menos, sempre razoável, pequeno e suficientemente satisfatório.
A única coisa que o faz diferente, acima da média, é a sua coragem e disposição diante do perigo, da morte e dos homens maus. Se é o destino que sempre o quis mediano, a média e a margem das grandes conquistas que os grandes homens almejam, só o tempo dirá. Enquanto muitos desistem, Inocêncio insiste e se esforça para sair do patamar que ocupa desde sempre. Homem médio, vive como medíocre. Continua na luta e não deixa que outros ocupem a sua vaga na disputa. Encara a jornada como disputa natural entre concorrentes iguais. Sempre busca um lugar ao sol, no topo, embora ciente de que, às vezes, o seu esforço é demasiadamente desnecessário para aquilo que é esperado. Fracassado? Não. Pequeno? Nunca. Sempre mediano e esforçado. Avante, Inocêncio. O mundo é seu.
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Crônica de Fernando de Oliveira Cláudio, páginas 36/37/38, da 18a. Antologia Ponto & Vírgula, lançada dia 18 d3 dezembro de 2021, no Hotel Nacional em Ribeirão Preto/SP.
Editora FUNPEC
Coordenadora: Irene Coimbra
ilustração de Fernanda R-Mesquita
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