Olhei aterrorizado o vasto aeroporto. Havia muitos “manteauex” de cores várias vestindo corpos de várias formas e tamanhos. O frio era intenso, mas o dia estava claro. Ao descer do avião, uma multidão de vozes e “flashes” estouraram ao meu redor. Após várias perguntas, e respostas idem, os repórteres se dispersaram agitados. Uma figura de mulher, em rico casaco de pele, aproximou-se falando em português, para minha surpresa.
- Monsieur Barbosa, recebi seu telegrama, e como não poderia deixar de ser, vim à sua chegada. Abraçamo-nos em confraternização. França e Brasil se abraçavam num amplexo de fraternidade. Jacqueline François, que fala tão bem como canta, continuou:
- Você terá que cumprir o seguinte programa: Visita à Embaixada do Brasil. Sorbone, Coquetel às duas horas no Paris Match, entrevista com o Presidente, Academia de Letras, Notre Dame, Museu do Louvre e, e...
- Não me interessa nada disso. Não vou a nenhum desses lugares.
- Mas já está programado. E o escândalo?
- Venho somente para lhe conhecer. Para passearmos juntos pelo Champs Élysées, Torre Eiffel, Rio Sena. Nada de visitas protocolares. Eles compreenderão minha atitude, pois gostariam de fazer o mesmo, só não o fazem porque temem o escândalo.
Ela sorriu um riso de cascata e champagne. Entramos no carro e partimos. Passeamos de braços dados dentro do frio outonal da velha França. Como é lindo o outono aqui em Paris! As árvores ficam completamente despidas de suas roupagens verdes de suas flores exóticas. Formam um conjunto, uma poesia tristonha!
Torre Eiffel. Seis horas da tarde. Luzes acendem na cidade, e o espetáculo é monótono, mas mesmo assim, de uma ilusão fantástica! Jacqueline canta. Sua voz é a própria música em toda a sua plenitude, renúncia, amor e poesia. Uma gota de lágrima que se perde no espaço e se transforma em luz. Estrelas brilham nos olhos de Jacqueline.
Novamente passeamos pelas ruas. Em rápidos minutos estamos na Catedral de Notre-Dame. Um silêncio sepulcral reina no ambiente. Lá fora, a neve começa a cair de mansinho como uma prece de esperança fria. Ante nossos olhos perspectivas de ruas nevoentas.
- No Brasil neva?
- Não.
- Nem outono?
- Não. No Brasil só há política, cachaça, futebol e samba.
Agora, andamos às margens do Rio Sena. Há folhas mortas boiando sobre as águas, barcos silenciosos e, ao longe, um pescador noturno. Passamos por casais abraçadinhos, que se amam docemente distraídos e encapotados. Jacqueline canta histórias sobre o Rio Sena e eu ouço enquanto caminhamos passo a passo. A neve parou. Mas não há lua.
- Ma Maison! - diz ela.
- Entramos, alegres como crianças em férias. Sobre a mesa garrafas de champgne e... levantamos as taças e... Acordo. Diabo! Tinha que ser sonho! Viro-me na cama e vejo o meu quarto neutro e vazio como essa tristeza que enche minha vida. Se eu soubesse cantar, juro que cantaria: “Aimer, comme je t’aime”. Especialmente aquela estrofe: “La vie est cette probleme, Hereux au malhereux”.
Sim, a vida é um problema. Jacqueline em França e eu aqui, no Brasil.
(Crônica de Alvim Barbosa, quando cronista social do jornal “Diário da Manhã” de Ribeirão Preto , em julho de 1956)
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Crônica e Poema de Alvim Barbosa, (in memoriam) nas páginas 6, 7, 8 e 9, da 18a. Antologia Ponto & Vírgula - Poemas, Contos e Crônicas.
Editora FUNPEC.
Coordenadora: Irene Coimbra
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