CLICHÊS E O CRITÉRIO ESTÉTICO DA MORAL- Por Regina Baldini


     Um lindo e elegante casal chega ao mais novo e requintado empório restaurante da cidade. As garrafas de vinho e alguns itens da decoração têm, propositalmente, poeira em cima e os pisos são todos charmosamente gastos, tudo no estilo retrô, dando um ar tradicionalíssimo ao ambiente. Ela coça o nariz e fala, com a voz empostada, sobre o rótulo de um vinho. Ele vai até a adega e pede exatamente aquele vinho.  O garçom chega e o casal pega cada um seu celular. Tiram fotos do vinho, depois da comida, de si mesmos, postam e interagem com seus seguidores. Chegam a casa e, enquanto fazem amor, ela olha pro teto e pensa sobre o próximo dia. Acordar cedo, levar as crianças na escola e se encontrar com seu amante. Fecha os olhos e dissimula gemidos. Ele, gentilmente, goza depois dela, com os olhos fechados, pensando nas pernas bronzeadas da secretária. Dormem. Ela levanta-se antes dele. Arruma-se rapidamente, acorda as crianças, correria e, enfim, todos no carro. Ele se levanta e vai para o chuveiro. Ela deixa as crianças na escola. Ele lava as costas e se lembra de que tem que comprar um presente pra secretaria, que está dissimulando ciúme por ter descoberto, através das redes sociais, o anel de brilhantes que ele deu à esposa. Ela para o carro uma quadra antes de um antigo prédio de quitinetes, no centro da cidade. Ele ensaboa a barriga, fecha os olhos e se lembra da republica que morou, dos lençóis amassados, do pôster do Che na parede do seu quarto, da cerveja barata e de Leila, sua namorada na faculdade. Anarquista, linda, livre, cavalgando sem sela. Ela nos braços do seu amante, goza com o toque das mãos dele deslizando nas suas costas. Ele antes mesmo que seu gozo escorra pelo ralo, reflete: “Não acredito ter encontrado Leila na manifestação da Paulista, enrolada na bandeira do Brasil, pedindo a volta da ditadura! Meu Deus, como alguém pôde mudar tanto? Ela, num milésimo de segundo pensa em largar tudo e fugir com seu amante. Deita-se, gira a cabeça pro lado e vê seu par de manolo blahnik. Levanta-se e arruma-se rapidamente. Calça o scarpin e, instantaneamente, sente-se como Carrie, a heroína de Sexy and the city. Olha-se no espelho, alisando o rosto e reflete:  “Sarah J. Parker está tão velha! Com tanto dinheiro não entendo a razão dela não aplicar botox. Meu Deus! Isso só pode ser falta de amor próprio!

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Crônica de Regina De Lucca Baldini, nas páginas 64/65, da 18a. Revista Ponto & Vírgula - Poemas, Contos e Crônicas, lançada dia 18 de dezembro de 2021, no Hotel Nacional em Ribeirão Preto/SP
Editora: FUNPEC/RP
Coordenadora: Irene Coimbra

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